As eleições deste ano estão ganhando moldura nova, com expectativa de novas dinâmicas e posturas populares, favorecidas com a celebração da Copa do Mundo, sem dúvida um megaevento. O povo, no exercício de seu poder, silenciou a classe política. Inviabilizou uma possibilidade, que era bem real, do uso do Mundial e de seus estádios cheios como palco de comícios. Um sinal de esperança e também demonstração da soberania popular. Torna-se evidente que os desejos de certos grupos não vão contracenar com os anseios do povo, que articula, magistralmente, as euforias e tensões próprias da paixão pelo futebol com demonstrações de amor à pátria e belo sentido de solidariedade universal.
Essas cenas reacendem a essência do poder que emana do povo. Pelo viés do esporte, em um contexto político e social novo, onde a população exerce sua liberdade de escolha, seu direito de expressão e participação, renova-se a certeza de que a política não pode continuar a ser tratada e vivenciada com as mediocridades que a têm caracterizado. A superação desse quadro supõe os passos corajosos e cidadãos de uma adequada reforma política, para corrigir dinâmicas culturais viciadas e comprometidas. Trata-se de um passo decisivo para transformar o contexto atual de muitos atrasos, que fazem a sociedade brasileira perder oportunidades para o crescimento, não avançar na infraestrutura e na superação dessa vergonhosa e crescente brecha entre ricos e pobres. Falta educação de qualidade, assistência sanitária adequada, moradia digna, transporte público e tantas outras necessidades. Essas e outras carências constituem uma clara acusação a governos e outros segmentos da sociedade pelo próprio crescimento da criminalidade.
Uma realidade visível, por exemplo, em dados do Ministério da Saúde (Mapa da Violência 2014), que mostram nossos recordes em homicídios. A cada dia, em média, morrem 154 pessoas assassinadas no Brasil. Diante deste triste quadro, é possível afirmar que estamos numa verdadeira guerra civil, camuflada por várias situações. Há, indiscutivelmente, perda geral do mais relevante sentido humanístico, o que coloca em risco os dias que virão. Engana-se quem pensa estar distante dessa guerra camuflada. Ela não poupa ninguém e se aproxima de todos. A esperança é que o povo, mais consciente de seu poder a partir das lições que deu durante a Copa do Mundo, trate de modo mais qualificado a sua realidade social e política. Desse modo, é possível construir um futuro diferente.
Diante de posturas novas de quem é soberano na posse do poder, segmentos específicos serão obrigados a adotar novas condutas. Particularmente, os políticos que submetem seus nomes ao sufrágio do voto, precisarão criar coragem, como ato de inteligência, para, permanentemente, estarem em diálogo, sobretudo com os pobres, a base popular. O Papa Francisco indica aos pastores que é preciso “ter cheiro de ovelhas”, estando sempre no meio delas. Uma rica lição, que deve ser aprendida também pela classe política. Governar sem ouvir diariamente a voz que vem das ruas e das periferias compromete a confiança recebida do verdadeiro dono do poder, o povo.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte
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