A Oração do Senhor: "Perdoai as nossas ofensas"
O suprimento do corpo é necessário, mas precisamos também restabelecer a ordem dentro de nós mesmos, liberando-nos da desarmonia, tornando-nos devedores diante de Deus e do próximo. É lógico, então, que no Pai Nosso, a invocação do pão seja seguida pela da remissão das nossas dívidas, o que somente Deus pode solucionar por meio do perdão.
A redação de Mateus fala de uma maneira metafórica do perdão das “faltas” (Mt 14-15), a de Lucas, mais realista, do perdão dos “pecados” (Lc 11,4). Deus não exige de nós uma restituição, porque a dádiva do seu amor é gratuita e pode ser acolhida ou recusada.
Consciência do pecado
No Pai Nosso não há pedido a Deus para a remissão de um débito material, mas o pedido de perdão a uma ofensa que contraímos com Ele. O pecado é o mau uso que fazemos da liberdade e da própria vida; a percepção da incompatibilidade das nossas ações em confronto com a palavra e o desejo de Deus.
Se refletirmos, perceberemos que a nossa existência e vida são um presente de amor de Deus. Descobrimos que, às vezes, temos contrariado o poder libertador desse amor com as nossas transgressões aos mandamentos, ao Evangelho, às obrigações familiares, profissionais, sociais e religiosas.
Diante da ofensa contra Deus, a nossa atitude, que deve ser fundamentada por um profundo exame de consciência à luz da fé, não pode ser outra que reconhecer o nosso pecado, o qual somente Deus pode recompor, se confiarmos em Seu perdão.
Confiança no perdão de Deus
Nas palavras e na vida, Jesus exaltou a benevolência do Pai aos pecadores, dizendo que para Deus o perdão é uma alegria. Basta reler as três parábolas da misericórdia: aquela da ovelha perdida (Lc 15, 4-7), a da moeda extraviada e recuperada (Lc 15, 8-10) e a do filho pródigo (Lc 15, 11-32). Nesta última, Jesus fala do pai que ordena que se faça uma festa pelo retorno do filho, para evidenciar que Deus Pai continua a considerar o pecador como seu filho, à espera de poder abraçá-lo, assim que se arrepender.
Durante o seu ministério, Jesus muitas vezes convive com pecadores para demonstrar que Deus Pai não os abandona. Àqueles que o criticaram por este comportamento responde: “Não vim para chamar os justos, mas os pecadores” (Mt 9,13). A imagem mais forte da solidariedade de Jesus com os pecadores é a Cruz, onde Jesus morre pelos pecadores, mas morre junto a dois deles (Lc 23, 39-43). Para dar aos pecadores arrependidos a certeza do perdão, depois da ressurreição, o Senhor Jesus confere aos apóstolos e, assim, à Igreja o poder de perdoar os pecados (Jo 20,22).
Conscientização de não poder vencer sozinho a sedução do pecado
Quando dizemos “perdoai as nossas ofensas” devemos estar conscientes de que sozinhos somos incapazes de vencer a atração do pecado. Não basta que Deus nos perdoe. A idolatria oculta no nosso pecado, isto é, a procura da autoafirmação e liberdade na perspectiva dos interesses pessoais, está sempre à espreita. O poder de Deus renova o nosso coração, e o faz se existe o nosso consentimento. Este consentimento pressupõe de nós: 1. o reconhecimento de ter pecado; 2. o arrependimento; 3. a confiança na misericórdia de Deus que encontra sua confirmação no sacramento da comunhão; e 4. empenho em reparar os problemas originados pelo pecado nas relações com Deus e com o próximo.
O que é o perdão?
O que seria verdadeiramente o perdão, pode-se deduzir somente que é a culpa. Ela envolve o comportamento do pecador que voluntariamente destrói a relação de filho adotivo com Deus, menosprezando a paternidade. Para reconstruir esta relação acontece o perdão. A culpa deve ser superada. Para superá-la, Deus que perdoa não se limita a não levar em conta o mal ocorrido, mas envolve o culpado na dinâmica do seu amor salvador, para incitá-lo a arrepender-se e reconhecer a Sua paternidade.
Perdão concedido ao próximo
Além da remissão dos pecados, o perdão oferece ao arrependido a capacidade de desenvolver novas relações com Deus e com o próximo, por meio de uma renovada conduta de vida.
O dever do perdão
No Pai Nosso o “assim como” de Mateus indica que há uma estreita relação entre o pedido de perdão ao Pai e o perdão oferecido ao próximo. Nota-se, porém, que não é o perdão que oferecemos ao próximo para obtermos a remissão dos pecados por parte de Deus. A iniciativa do perdão é de Deus, nós expressamos o desejo de obtermos Dele o perdão, na medida e no modo ao qual já concedemos ou pretendemos conceder aos nossos irmãos.
Em outras passagens do seu Evangelho, Mateus destaca esta ligação: “De fato, se vós perdoardes aos outros as suas faltas, vosso Pai que está nos céus também vos perdoará” (Mt 6,14). Na mesma direção segue-se: “Pois o mesmo julgamento com que julgardes os outros servirá para vós; e a mesma medida que usardes para os outros servirá para vós” (Mt 7,2).
Dimensão do perdão
O Pai Nosso não determina quais são as ofensas para redimir e os ofensores aos quais perdoar. Esta indeterminação indica somente a universalidade do perdão que inclui também amor contra os inimigos e oração pelos perseguidores (cf Mt 5,45-46; Lc 6,27.33-36). A Pedro, que desejava saber quantas vezes devia-se perdoar o irmão, e imaginava-se magnânimo falando em sete vezes – superando assim o costume hebreu que era de três vezes - , Jesus responde: “Digo-te, não até sete vezes, mas até setenta vezes sete vezes” (Mt 18,22), isto é, sempre. Somente Deus pode nos dar a força para perdoar aos outros e sermos perdoados por eles.
Padre Agostino Favale, SDB, é professor emérito de História da Igreja Moderna e Contemporânea e de Espiritualidade da Universidade Pontifícia Salesiana de Roma, consultor da Congregação para a Causa dos Santos e autor de mais de 180 obras.
Tradução: Elaine Tozetto.
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