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17 de março de 2014

Filosofia da modéstia. Vergonha da natureza.

Longe de ser um fenômeno social temporário e em vias de extinção (redutível à psicologia e sociologia), o pudor é um fenômeno que atinge a base metafísica do homem e deveria ser estudado tanto pela antropologia como teologia.

O pudor constitui uma espécie de vergonha: a vergonha que envolve principalmente matéria de ordem sexual. Vergonha é o sentimento que acompanha a percepção de um defeito, e como o defeito pode estar na natureza ou na pessoa, existe uma vergonha que é natural e outra que é moral.

A natureza tem vergonha de suas próprias deficiências porque toda a natureza quer viver de acordo com o padrão de perfeição original, e se por alguma falta inata ou adquirida ela foge do padrão ideal, imediatamente ela percebe o defeito e essa percepção é acompanhada de um profundo constrangimento.

E uma vez que a natureza só tem existência real no indivíduo, e com ela seus defeitos, ocorre que a vergonha natural pelo defeito se torna igualmente a vergonha do indivíduo defeituoso.

Alguns poderiam argumentar que o indivíduo não tem culpa e não pode se envergonhar dos defeitos de sua própria natureza. Mas tal objeção é superficial. Não importa que a pessoa não seja culpada pelos defeitos da natureza, pois é a própria natureza do indivíduo que o leva a se envergonhar do defeito que ele carrega. E os fatos mais comuns da vida o comprovam.

Ninguém em sã consciência se vangloria ou é indiferente ao fato de ser corcunda, manco ou cego. Ninguém considera esses defeitos como algo normal nos outros e muito menos em si mesmo, por mais que alguém tente lhe convencer do contrário. Dizer que a pessoa não tem culpa por tal defeito não atenua o fato de que o defeito continua lá, nem tampouco serve pra evitar o constrangimento que a natureza sofre por causa disso.

Por esta razão, é notável a dor e o constrangimento que o homem experimenta por causa de sua própria condição mortal que é o defeito mais radical da natureza humana, pois o ser humano foi criado para a imortalidade, para a perfeição, à imagem e semelhança de Deus.

Vergonha é algo metafísico, pois é o desprezo pela destruição de um ser cuja estrutura original rejeita a morte, é a indignação por um defeito que não pertence ao indivíduo como tal, mas à sua natureza. O homem não se envergonha do fato de não possuir asas (não ter asas não é um defeito para ele), mas sofre por não ser imortal, já que a mortalidade é um defeito.

A profundidade do fenômeno da vergonha se manifesta até involuntariamente. O ser humano pode corar por vergonha de si próprio ou de outros. Mesmo a contragosto, seu rosto se ruboriza. Não é a pessoa que se envergonha, mas a natureza da pessoa . A testa enrugada e rosto impassível são sinais de tristeza em povos de todas as raças.

Mas muito mais profunda do que a vergonha da natureza é a vergonha de caráter pessoal, já que essa é causada por uma falha moral da própria pessoa. Essa é muito mais grave porque já não diz respeito a um mero sentimento ou inclinação, mas algo que a consciência detecta e detesta como um defeito voluntário do qual o próprio indivíduo é o único culpado.

O fenômeno da vergonha tem um significado ainda mais profundo quando ele é analisado teologicamente A libido é a mais devastadora forma de desobediência que opera na natureza humana desprovida de harmonia por causa da desobediência do pecado original. Apesar de não ser considerada como pecado em si, a concupiscência é o sintoma mais óbvio do estado decaído em que o homem pecador se encontra.



Romano Amerio, Iota Unum. Capítulo IX-98 – Tradução: Gercione Lima
Fratresinunum.com


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