"Rasgai os vossos corações e não as vossas roupas." "Com essas penetrantes palavras do profeta Joel, a liturgia nos introduz hoje na Quaresma, indicando na conversão do coração a característica deste tempo de graça", frisou o Papa Francisco em sua homilia.
"Segundo o pontífice, "o apelo profético constitui um desafio para todos nós, sem exclusão, e nos recorda que a conversão não se traduz em formas exteriores ou em propósitos vagos, mas envolve e transforma toda a existência a partir do centro da pessoa, da consciência. Somos convidados a tomar um caminho no qual, desafiando a rotina, nos esforcemos para abrir os olhos e os ouvidos, mas, sobretudo, o coração, para irmos além do nosso quintal".
"Abrir-se a Deus e aos irmãos. Vivemos num mundo sempre mais artificial, numa cultura do 'fazer', do 'útil', onde, sem nos darmos conta, excluímos Deus do nosso horizonte. A Quaresma nos chama a 'despertar-nos', a recordar-nos que somos criaturas, que não somos Deus", sublinhou o Santo Padre.
Em relação aos outros corremos o risco de fechar-nos, de esquecê-los. Somente quando as dificuldades e os sofrimentos dos nossos irmãos nos interpelam, somente então podemos iniciar o nosso caminho de conversão rumo à Páscoa. "É um itinerário que compreende a cruz e a renúncia. O Evangelho de hoje indica os elementos deste caminho espiritual: a oração, o jejum e a esmola Todos os três comportam a necessidade de não nos deixarmos dominar pelas coisas que parecem: o que conta não é a aparência; o valor da vida não depende da aprovação dos outros ou do sucesso, mas do que temos dentro", frisou o Papa destacando o primeiro elemento: a oração.
"A oração é a força do cristão e de toda pessoa que crê. Na fraqueza e na fragilidade da nossa vida, podemos dirigir-nos a Deus com confiança de filhos e entrar em comunhão com Ele. Diante de tantas feridas que nos fazem mal e que nos poderiam endurecer o coração, somos chamados a mergulhar-nos no mar da oração, que é o mar do amor sem limites de Deus, para saborear a sua ternura. A Quaresma é tempo de oração, de uma oração mais intensa, mais assídua, capaz de assumir as necessidades dos irmãos, de interceder diante de Deus por tantas situações de pobreza e de sofrimento."
O segundo elemento qualificador do caminho quaresmal é o jejum. "Devemos estar atentos a não praticar o jejum formal, ou que na verdade nos 'sacia' porque nos faz sentir em estado de justiça", disse o pontífice que acrescentou:
"O jejum tem sentido se verdadeiramente atinge a nossa segurança, e também se dele se obtém um benefício para os outros, se nos ajuda a cultivar o estilo do Bom Samaritano, que se curva diante do irmão em dificuldade e cuida dele. O jejum comporta a escolha de uma vida sóbria, que não desperdiça, que não 'descarta'. Jejuar ajuda-nos a treinar o coração à essencialidade e à partilha. É um sinal de tomada de consciência e de responsabilidade diante das injustiças, das arbitrariedades, especialmente em relação aos pobres e pequenos, e é sinal da confiança que recolocamos em Deus e em sua providência."
O terceiro elemento é a esmola: ela indica a gratuidade, porque a esmola se dá a alguém de quem não se espera receber algo em troca.
"A gratuidade deveria ser uma das características do cristão, que, consciente de ter recebido tudo de Deus gratuitamente, isto é, sem nenhum mérito, aprende a doar aos outros gratuitamente. Hoje comumente a gratuidade não faz parte da vida cotidiana, na qual tudo se vende e tudo se compra. Tudo é cálculo e medida. A esmola ajuda-nos a viver a gratuidade do dom, que é liberdade da obsessão da posse, do medo de perder aquilo que se tem, da tristeza de quem não quer partilhar com os outros o próprio bem-estar."
Com seus convites à conversão, a Quaresma vem providencialmente despertar-nos, despertar-nos do torpor, do risco de seguir adiante por inércia. "A exortação que o Senhor nos dirige por meio do profeta Joel é forte e clara: 'Retornai a mim de todo vosso coração'. Por que devemos voltar para Deus? Porque alguma coisa não está bem em nós, em nossa sociedade, na Igreja e precisamos mudar, dar uma reviravolta, converter-nos!", sublinhou ainda o Santo Padre.
"Mais uma vez a Quaresma vem dirigir-nos seu apelo profético, para recordar-nos que é possível realizar algo de novo em nós mesmos e em torno a nós, simplesmente porque Deus é fiel, continua sendo rico de bondade e de misericórdia, e está sempre pronto a perdoar e recomeçar do início. Com essa confiança filial, coloquemo-nos a caminho", concluiu o Papa Francisco. (RL/MJ)
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