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22 de maio de 2014

Dom Marcuzzo: as questões envolvidas na viagem do Papa


Nazaré  - Aguardam com expectativa e curiosidade a chegada do Papa Francisco, os cerca de 450 mil cristãos que vivem na Terra Santa (Jordânia, Palestina, Israel). Uma confirmação de que se sentem parte viva da comunidade universal da Igreja. Os cristãos que vivem em Israel, cerca de 130 mil, foram atingidos recentemente por ameaças de grupos fundamentalistas de matriz judaica, recebendo, no entanto, a solidariedade quer de muçulmanos como judeus. O Vigário do Patriarcado Latino de Jerusalém para Israel e Nazaré, Dom Giacinto-Boulos Marcuzzo, foi entrevistado pela Rádio Vaticano.

O Papa Francisco irá à Terra Santa após a histórica viagem de Bento XVI, de João Paulo II, e antes ainda, de Paulo VI. Como mudou, se é que mudou, a percepção do povo em relação a estas peregrinações?

Dom Marcuzzo: “Cada peregrinação mantém aspectos comuns às precedentes, acrescentando outros especiais. Eu pude assistir, como seminarista, à viagem de Paulo VI em 1964. Após, como organizador, participei das de João Paulo II e Bento XVI. Também a do Papa Francisco será uma peregrinação de “oração e penitência” – como dizia sobretudo Paulo VI – e pastoral, isto é, de contato pessoal com as pessoas do lugar. Naturalmente, uma viagem do Papa comporta também aspectos das relações diplomáticas que ele mantém com os Chefes de Estado, com os quais entrará em contato, isto é os da Jordânia, Palestina e Israel. Estes aspectos estão presentes também hoje, assim como estavam presentes nas ocasiões precedentes. A diferença é que desta vez o Estado de Israel fez imposições ‘sine qua non’ e pediu que fossem introduzidos novos aspectos diplomáticos e protocolares. Se terá, por exemplo, a visita ao Muro das Lamentações, ao Grande Rabinato e a Yad Vashem, mas acrescentaram ainda a deposição de uma coroa de flores no túmulo de Herzl, além das duas visitas oficiais ao Chefe de Estado e o encontro com Netanyahu. Estas condições ocuparam muito espaço, tornando impossível uma visita do Papa à Nazaré, e em parte, limitando o aspecto pastoral da visita em favor do aspecto protocolar, que naturalmente, pode ser positivo. Até mesmo os bispos da Igreja local da Terra Santa, exceto o séquito papal e o Patriarca, não poderão participar de todos estes momentos da manhã da segunda-feira, 26, inclusive a visita à Mesquita de Omar e o encontro com os líderes muçulmanos. Sentimos muito, sobretudo, que em Jerusalém os fiéis cristãos não poderão ver o Papa, porque - quando e onde passa o Papa, como disse a polícia -, existirá restrição à circulação. Terá somente um encontro no Getsêmani com os sacerdotes, religiosos e seminaristas, e a missa no Cenáculo, além do momento central da peregrinação: o encontro no Santo Sepulcro com o Patriarca Ecumênico Bartolomeu e outros Patriarcas e Bispos Orientais. O aspecto pastoral, porém, será muito bem evidenciado durante a passagem por Amã, na Jordânia e em Belém”.

Que impacto pode ter a visita do Papa nas relações entre as religiões presentes na Terra Santa?

Dom Marcuzzo: “Durante esta viagem acompanharão o Papa, como membros do séquito, um rabino e um chefe muçulmano argentinos. Na Terra Santa terá certamente contatos com muçulmanos e judeus, mas separadamente. O aspecto do diálogo inter-religioso juntos, a três vozes, desta vez não existirá, ou existirá de forma reduzida, em relação às precedentes visitas dos Pontífices, exclusivamente por motivos de tempo. Não existirá, por exemplo, um momento comovente como o encontro de 14 de maio entre o Papa Bento XVI e os líderes das comunidades cristãs, judaicas, muçulmanas e drusas aqui em Nazaré, que podemos chamar de “capital da unidade”, pois aqui, Deus e o homem fizeram a sua aliança. Mas nestes dias de preparação da visita do Papa existiram momentos de solidariedade inter-religiosa impressionantes. Após os atos de fundamentalismo e ameaças verificados contra nós, fiquei fechado na minha sala no Vicariato Patriarcal, recebendo o fluxo contínuo, da manhã à noite, de cristãos, mas também de muitos muçulmanos, de alguns judeus e drusos, que vinham manifestar a sua solidariedade. Foi um momento muito profundo e construtivo, de amizade, participação e proximidade àqueles que foram ameaçados. Foi um momento inter-religioso muito forte, sobretudo entre cristãos e muçulmanos. Para dar dois exemplos, até mesmo o famoso Xeique Raed Salah veio aqui com amigos e colegas. A Mesquita Branca de Nazaré dedicou a oração de sexta-feira à solidariedade com os cristãos ameaçados. Vale a pena citar textualmente uma parte daquele discurso: “Os cristãos são filhos desta terra, amam esta terra, querem viver nesta terra para continuar a servir a todos, a amar a todos e a difundir a cultura do amor e da vida”. A peregrinação do Papa Francisco contribuirá para revigorar e amadurecer esta necessidade de diálogo e de cooperação inter-religiosa e a isolar o ímpeto de fanatismo e de intolerância”.

Portanto, as ameaças, involuntariamente, desencadearam gestos de uma solidariedade nova, inesperada...

Dom Marcuzzo: “Certamente. Estes atos de vandalismo e de ameaças não pré-anunciam nada de bom, mas por outro lado, o testemunho de solidariedade foi um momento de coexistência pacífica, de verdadeiro diálogo inter-religioso e de apoio mútuo entre todas as comunidades. Foi uma feliz preparação indireta à vinda do Papa Francisco. Mesmo ontem, por exemplo, no Knesset de Israel (ndr – Parlamento israelense) e “templo” do judaísmo, vivemos um momento muito significativo de comemoração solene de São João XXIII, um Papa muito apreciado pelos judeus porque mudou a tradicional oração “pérfidos judeus” da Sexta-feira Santa, encontrou Jules Isaac dando origem à abertura das relações entre a comunidade, mas sobretudo iniciou o Concílio Vaticano II que é a origem da Declaração ‘Nostra Aetate’ (conhecida quase de cor por alguns rabinos) e porque, quando era Núncio em Istambul, como recordou de maneira especial Isaac Herzog, filho do ex-Presidente de Israel, Haim Herzog, e neto do Rabino Chefe, Isaac Herzog, contribuiu para salvar muitos judeus durante a Segunda Guerra Mundial. Também esta iniciativa parlamentar constitui uma ótima preparação, mesmo se indireta, à peregrinação do Papa”.

Quem são e quantos são os seus fiéis em Israel? Como vivem a fé inseridos num contexto de maioria judaica?

Dom Marcuzzo: “Primeira premissa: nós consideramos sempre em modo unitário os cristãos de Israel, da Palestina a aqueles além do Rio Jordão e tentamos também, nos limites do possível, de não isolar os católicos dos outros cristãos, sobretudo a partir de quando celebramos o belíssimo Sínodo pastoral diocesano concluído no ano 2000. Graças àquele Sínodo consideramos “o ser e o trabalho juntos” como absolutamente prioritário. Em toda a Terra Santa existem cerca de 450 mil cristãos, dos quais 130 mil em Israel. Entre estes existem descendentes da primeira comunidade cristã de Jerusalém, descendentes daqueles que viveram com Jesus. Em Israel somos uma pequena minoria que sofre muito, por diversos motivos, mas encontra encorajamento e força no seu fazer parte do grande corpo da Igreja universal. É por este motivo que a peregrinação do Papa é de grande importância para nós: nos faz ver, sentir, entender de sermos parte deste corpo que é a Igreja. Não obstante as dificuldades, esta comunidade permanece fiel aos Lugares Santos, à Igreja e ao Evangelho. Todavia, existe uma forte tentação para a minoria cristã da Terra Santa: a emigração”. (JE)


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