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23 de outubro de 2014

A fé de Israel


12. A história do povo de Israel, no livro do Êxodo, continua na esteira da fé de Abraão. De novo, a fé nasce de um dom originador: Israel abre-se à ação de Deus, que quer libertá-lo da sua miséria. A fé é chamada a um longo caminho, para poder adorar o Senhor no Sinai e herdar uma terra prometida. O amor divino possui os traços de um pai que conduz seu filho pelo caminho (cf. Dt 1, 31). A confissão de fé de Israel desenrola-se como uma narração dos benefícios de Deus, da sua acção para libertar e conduzir o povo (cf. Dt 26, 5-11); narração esta, que o povo transmite de geração em geração. A luz de Deus brilha para Israel, através da comemoração dos factos realizados pelo Senhor, recordados e confessados no culto, transmitidos pelos pais aos filhos. Deste modo aprendemos que a luz trazida pela fé está ligada com a narração concreta da vida, com a grata lembrança dos benefícios de Deus e com o progressivo cumprimento das suas promessas. A arquitectura gótica exprimiu-o muito bem: nas grandes catedrais, a luz chega do céu através dos vitrais onde está representada a história sagrada. A luz de Deus vem-nos através da narração da sua revelação e, assim, é capaz de iluminar o nosso caminho no tempo, recordando os benefícios divinos e mostrando como se cumprem as suas promessas.

13. A história de Israel mostra-nos ainda a tentação da incredulidade, em que o povo caiu várias vezes. Aparece aqui o contrário da fé: a idolatria. Enquanto Moisés fala com Deus no Sinai, o povo não suporta o mistério do rosto divino escondido, não suporta o tempo de espera. Por sua natureza, a fé pede para se renunciar à posse imediata que a visão parece oferecer; é um convite para se abrir à fonte da luz, respeitando o mistério próprio de um Rosto que pretende revelar-se de forma pessoal e no momento oportuno. Martin Buber citava esta definição da idolatria, dada pelo rabino de Kock: há idolatria, « quando um rosto se dirige reverente a um rosto que não é rosto ».[10] Em vez da fé em Deus, prefere-se adorar o ídolo, cujo rosto se pode fixar e cuja origem é conhecida, porque foi feito por nós. Diante do ídolo, não se corre o risco de uma possível chamada que nos faça sair das próprias seguranças, porque os ídolos « têm boca, mas não falam » (Sal 115, 5). Compreende-se assim que o ídolo é um pretexto para se colocar a si mesmo no centro da realidade, na adoração da obra das próprias mãos. Perdida a orientação fundamental que dá unidade à sua existência, o homem dispersa-se na multiplicidade dos seus desejos; negando-se a esperar o tempo da promessa, desintegra-se nos mil instantes da sua história. Por isso, a idolatria é sempre politeísmo, movimento sem meta de um senhor para outro. A idolatria não oferece um caminho, mas uma multiplicidade de veredas que não conduzem a uma meta certa, antes se configuram como um labirinto. Quem não quer confiar-se a Deus, deve ouvir as vozes dos muitos ídolos que lhe gritam: « Confia-te a mim! » A fé, enquanto ligada à conversão, é o contrário da idolatria: é separação dos ídolos para voltar ao Deus vivo, através de um encontro pessoal. Acreditar significa confiar-se a um amor misericordioso que sempre acolhe e perdoa, que sustenta e guia a existência, que se mostra poderoso na sua capacidade de endireitar os desvios da nossa história. A fé consiste na disponibilidade a deixar-se incessantemente transformar pela chamada de Deus. Paradoxalmente, neste voltar-se continuamente para o Senhor, o homem encontra uma estrada segura que o liberta do movimento dispersivo a que o sujeitam os ídolos.

14. Na fé de Israel, sobressai também a figura de Moisés, o mediador. O povo não pode ver o rosto de Deus; é Moisés que fala com Jahvé na montanha e comunica a todos a vontade do Senhor. Com esta presença do mediador, Israel aprendeu a caminhar unido. O acto de fé do indivíduo insere-se numa comunidade, no « nós » comum do povo, que, na fé, é como um só homem: « o meu filho primogénito », assim Deus designará todo o Israel (cf. Ex 4, 22). Aqui a mediação não se torna um obstáculo, mas uma abertura: no encontro com os outros, o olhar abre-se para uma verdade maior que nós mesmos. Jean Jacques Rousseau lamentava-se por não poder ver Deus pessoalmente: « Quantos homens entre mim e Deus! » [11] « Será assim tão simples e natural que Deus tenha ido ter com Moisés para falar a Jean Jacques Rousseau? » [12] A partir de uma concepção individualista e limitada do conhecimento é impossível compreender o sentido da mediação: esta capacidade de participar na visão do outro, saber compartilhado que é o conhecimento próprio do amor. A fé é um dom gratuito de Deus, que exige a humildade e a coragem de fiar-se e entregar-se para ver o caminho luminoso do encontro entre Deus e os homens, a história da salvação.


Trechos extraídos, da Carta Encíclica Lumen Fidei


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