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13 de setembro de 2012

Manual Apologética - parte II

" A Apologética  é o ramo da teologia católica que trata de contestar a toda e qualquer crítica que se opõe a revelação de Deus e a Bíblia. 
Por conseguinte, pode incluir estudos como manuscritos da Bíblia, filosofia, biologia, matemática, evolução e lógica. Mas também pode consistir em dar uma simples resposta a uma pergunta sobre Jesus ou uma passagem da Bíblia para pessoas de outro credo."


ART. II - FALSAS SOLUÇÕES DO PROBLEMA DA CERTEZA

Várias são as escolas filosóficas que negam a possibilidade de conhecer a verdade e repousar na certeza. Só encaramos o problema sob o ponto de vista da missão que a inteligência deve desempenhar na descoberta da verdade.

Os céticos, criticistas, positivistas e intuicionistas negam ou deprimem o valor da razão. Examinemos rapidamente esses sistemas.

Ceticismo. Defendem os céticos que o homem é incapaz de distinguir o verdadeiro do falso, e portanto que deve abster-se de julgar. Para prova desta tese, aduzem quatro motivos: a ignorância, o erro, a contradição e o dialelo.

A ignorância. É manifesta a ignorância humana a respeito de diversos assuntos. Demais, como as coisas estão concatenadas entre si, a ignorância de um aspecto qualquer de um ser faz que não possamos conhecer a fundo e tal como é; não sabemos “le tout de rien”, como diz Pascal.

O erro. O homem engana-se freqüentemente e, o que é pior, quando se engana, julga possuir a verdade. Como há-de saber então quando alcançou a verdade?

A contradição. Os homens raramente estão de acordo.

A verdade varia:

Com os países. “Curiosa justiça limitada por uma serra ou um rio. Verdade do lado de cá dos Pirineus, erro do lado de lá!" - disse também Pascal;

Com os tempos. Ações, que hoje são lícitas, eram outrora proibidas, e reciprocamente;

Com os indivíduos. O que um julga bem, outro julga-o mal; Mais ainda; o mesmo indivíduo muda a cada passo o seu modo de ver e de pensar;

O dialelo (do grego di allêlôn, um pelo outro - é sinônimo de círculo vicioso). É o argumento mais especioso do ceticismo. Pode formular-se: Para provar o argumento da razão não há outro meio além da razão. Ora, isso é evidentemente um círculo vicioso; logo, tanto por esse motivo como pelos precedentes, o ceticismo defende com todo o direito que a dúvida é o estado legítimo da inteligência.

O criticismo ou relativismo kantista.

Segundo Kant, todos os juízos se acomodam às leis da mente. O conhecimento não é regulado pelos objetos; não provém do exterior por intermédio da experiência. Não podemos conhecer as coisas como são em si. Os objetos são unicamente o que o espírito quer que sejam: moldam-se, por assim dizer, nas formas da inteligência e nos pareceriam outro se nosso espírito fosse constituído de outro modo. Por isso nosso conhecimento é relativo, e só tem valor relativamente a nós, pois são as nossas faculdades que impõem as suas formas subjetivas aos objetos conhecidos; daí os nomes de subjetivismo e relativismo, que por vezes se dão à doutrina de Kant. Mas, se apenas atingimos as nossas idéias (Todas as teorias fundadas no princípio que só podemos conhecer os objetos como existem na nossa mente têm o nome genérico de idealismo. Entre as várias espécies de idealismo, somente faláramos de duas principais: o idealismo crítico, ou criticismo de Kant e o idealismo metafísico de Bergson, que é a forma mais moderna de idealismo, do qual nos ocuparemos depois com o nome de intuicionismo.), é conveniente fazer a crítica das nossas faculdades cognoscitivas (razão pura, razão prática e juízo), para conhecermos a influência subjetiva que exercem no objeto conhecido. Daqui provém o nome criticismo que de ordinário de aplica à teoria kantista.

Além disso, a nossa mente é forçada a conceber três idéias fundamentais: a alma, o mundo e Deus. Pensamos que a estas realidades correspondem três seres, objetos ou númenos (do grego noúmenon, percebido pelo “noûs”, razão pura - significa a essência dos seres, isto é, o que são em si, em oposição as suas aparências. Segundo Kant, o númeno pode ser objeto de crença, mas não de ciência.). Mas serão porventura três seres reais? Para além dos fenômenos haverá realmente númenos? Não o podemos afirmar, pois a razão é impotente para resolver o problema, não pode conhecer o ser em si mesmo, isto é, a alma, o mundo e Deus. Kant, porém, por meio de sua teoria engenhosa, distingue a razão teórica da razão prática (a razão prática é a consciência moral, isto é, a faculdade de julgar entre o bem e o mal por meio da lei moral), e constrói com a segunda o que tinha destruído com a primeira. A razão teórica ignora as coisas em si, mas a razão prática descobre a obrigação moral no mais íntimo da consciência e deduz e existência das coisas em si, quer dizer, da lei moral que postula a liberdade, a responsabilidade, a imortalidade da alma e a existência de Deus necessária para explicar a existência da lei moral e a possibilidade da sanção.

O Positivismo.

O positivismo (A. Comte e Littré, na França; Hamilton Spencer e Stuart-Mill, na Inglaterra) afirma que a razão humana pode atingir as verdades de ordem experimental ou positivas, mas que é incapaz de conhecer o que não é objeto de experimentação. Podemos, pois, compreender os fenômenos, o relativo, mas não a substância, nem o absoluto (os termos absoluto, coisa em si e númeno empregam-se aqui como sinônimos e opõe as palavras relativo, aparência e fenômeno). Por exemplo. A razão pode verificar os fatos, e formular-lhes as leis: é o cognoscível e o objeto de ciência. Mas para além dos fatos e das leis, estende-se o domínio inacessível das coisas em si e das causas: é incognoscível. Por isso, o positivismo chama-se também agnosticismo.

O Intuicionismo.

O intuicionismo, - nome que se dá às teorias de Bergson acerca do conhecimento, - provém do relativismo de Kant e do evolucionismo de Spencer.

Segundo Bergson, há duas maneiras de conhecimento: pala inteligência e pela intuição:

Pela inteligência. Admite, à semelhança de Kant, que a razão não pode chegar ao conhecimento objetivo dos seres, e dá várias razões. Na teoria kantista o conhecimento é sempre subjetivo, pelo fato de impormos aos objetos as formas imutáveis do nosso espírito; na teoria bergsoniana, ao contrário, afirma-se que a primeira causa de erro provém da atividade de inteligência humana, que, longe de possuir formas invariáveis, opera nos objetos com que está em contato, modifica-os, assimila-os, exatamente como o organismo transforma os alimentos. A segunda causa de erro provém de os objetos estarem sujeitos e perpétuas mudanças, e só poderem se apreendidos num dado momento da sua irrequieta existência. A terceira causa tem por origem os laços insensíveis que unem entre si estas mudanças; pois trata-se mais de evolução do que de transformação. Ora, como a razão se vê obrigada a trabalhar com conceitos estáveis, segue-se que não pode exprimir o movimento das coisas, nem o que há de contínuo na sua evolução. Deve portanto isolar os estados sucessivos dos objetos, substituir a descontinuidade e a pulverização da reflexão pela continuidade e unidade do seu “devir” ou movimento evolutivo.

Pela intuição. Mas, - e é nesta parte que Bergson julga ultrapassar Kant, - posto que a razão não consiga chegar a um conhecimento objetivo das coisas, existe contudo um meio de atingir a realidade. Este meio é a intuição, que conhece a realidade viva e móvel, por meio da visão direta e imediata do objeto. Portanto, só o conhecimento intuitivo é verdadeiramente objetivo.

Deste modo, julga o sistema bergsoniano evitar a crítica kantista acrescentando um novo elemento cognoscitivo. Donde se conclui que, se o conhecimento de Deus, por meio da razão não tem valor algum, pode conseguir-se pela intuição, pela consciência e pelo coração. Esta é a razão porque os modernistas, partidários da filosofia bergsoniana substituíram a apologética racional pela apologética de intuição ou de imanência (n.o 17).


ART. III. - VERDADEIRA SOLUÇÃO DO PROBLEMA. O DOGMATISMO. VALOR E LIMITES DA RAZÃO

1. O Dogmatismo


Chama-se dogmatismo (do grego dogmatizo, afirmo) o sistema filosófico, que afirma que a razão pode conseguir a certeza, e que esta corresponde à realidade das coisas, isto é, que as nossas idéias são realmente objetivas.

O dogmatismo invoca em seu favor as seguintes razões:

A falsidade dos sistemas opostos;

A intuição imediata da verdade objetiva dos primeiros princípios;

As exigências do censo comum.

Falsidade dos sistemas opostos.

Às objeções dos céticos responde o dogmatismo que a ignorância e o erro, acerca de algumas verdades, não provam de modo algum que a certeza não possa existir acerca de outras. O fato de algumas vezes reconhecermos que erramos, não será, pelo contrário, uma prova de que a nossa razão pode conhecer a verdade? A contradição não é também um argumento em favor do ceticismo, porque não é universal; não se estende a todos os domínios do saber, nem a todas as proposições. Quanto à objeção do dialelo, pode-se retorquir contra os adversários; porque, demonstrar pela razão a ilegitimidade da razão também é um círculo vicioso.

Aos criticistas e positivistas contesta que a distinção, por eles estabelecida entre o fenômeno e o númeno, não é absoluta, nem pode aplicar-se aos fatos de consciência, porque, numa única intuição, conhecemos o nosso ser e a representação que dele formamos. Outro erro funesto é pretender que a ciência se ocupa unicamente dos fenômenos; que só é certo o que experimentalmente podemos verificar; e que não é lícito concluir dos fenômenos para a realidade da substância. Pelo contrário, é incontestável que a razão, auxiliada pelos dados dos sentidos e da consciência, pode deduzir os princípios de causalidade e de substância, dos efeitos subir às causas, e das causas segundas e relativas, à causa primeira e absoluta.

O dogmatismo admite também, como Bergson, dois modos de conhecimento muito diversos, mas julga que o modo de operar da razão é tão legítimo como o da intuição. A diferença que entre eles existe não é tão grande como se poderia pensar.

Com efeito, o raciocínio supõe uma intuição no começo e outra no fim. Sirva-nos de exemplo a demonstração de um teorema de geometria. A razão deve apoiar-se primeiro nos axiomas cuja verdade ela apreende diretamente, isto é, por meio de uma intuição. Em seguida, por uma serie de deduções, chega a outra intuição, conhecendo claramente uma verdade até então desconhecida e cuja evidência aparece no final da demonstração.

Também não é exato dizer que a atividade da alma transforma a natureza das coisas. A inteligência abstrai a essência dos objetos; porque ainda que estes estejam sujeitos à evolução contínua, e num perpétuo devir, contudo esta evolução não lhes atinge totalmente o ser. Há neles alguma coisa que não muda, e é isso o que chamamos de substância. Através das múltiplas mudanças da minha existência, tenho a consciência de ser o mesmo homem. Portanto, do mesmo modo que a intuição, pode também a razão chegar ao conhecimento objetivo.

Intuição imediata da verdade objetiva dos princípios primeiros. Há um certo número de princípios fundamentais que conhecemos por meio da intuição imediata e cuja verdade se nos apresenta com tal evidência que se impõe a nossa inteligência; tais são, por exemplo, o princípio de identidade e o de razão suficiente. Quem ousará afirmar que A não é A, ou que um ser pode começar a existir sem uma razão suficiente? Todos estão intimamente convencidos que os axiomas não são meras representações do intelecto, mas leis dos seres.

Senso comum. É evidente que o senso comum está em favor do dogmatismo. Todos julgam, até os filósofos que fazem profissão do contrário, que as nossas idéias não têm um valor meramente subjetivo e que estão conformes com a realidade das coisas. “Não há sábio que tome a sério a quem lhe disser que as leis da física ou da química, descobertas por ele depois de tão longas e difíceis investigações, não correspondem à realidade, que o oxigênio e o carbono são apenas idéias subjetivas e que os eclipses da lua e do sol são meras “representações” da imaginação... Ora, não se pode admitir que o instinto natural e universal do gênero humano nos engane tão grosseiramente num assunto de tanta importância” (Fongressive, Elém. De philos. T. II.).

2. Valor e limites da razão

De todo o que precede conclui-se:

Que a inteligência pode chegar a certeza objetiva em certas matéria, por meio da intuição e do raciocínio. Tendo sido dotados de uma alma feita para a verdade, seriamos os seres mais infelizes de criação, se caíssemos necessariamente no erro, ou nunca estivéssemos certos de não nos enganar;

A ciência não se limita ao conhecimento dos fenômenos, mas, em certa medida, penetra até o ser como é em si;

Dizemos, em certa medida, porque ainda quando alcançamos a certeza, nunca o nosso conhecimento é absoluto e adequado, pois não pode exaurir toda a cognoscibilidade das coisas. A razão encontra barreiras insuperáveis, porque quanto mais alto está o objeto, tanto mais imperfeito é o nosso conhecimento. Podemos, é certo, demonstrar a existência de Deus e conhecer alguma coisa de sua natureza, porém, à medida que avançamos, mais incompleta será a ciência e menos exato o conhecimento.

Conclusão

“Ainda que seja completamente exato e adequado o nosso conhecimento dos seres, contudo é verdadeiro o que deles afirmamos. Somos homens, e por isso seria insensato aspirar ao impossível e querer possuir uma ciência sobre-humana” (Fongressive, Elém. De philos. T. II.). Digamos, pois, o conselho de Lactâncio: “É boa prudência não julgar que sabemos tudo, o que é próprio só de Deus, nem que tudo ignoramos, o que é próprio do animal irracional”.

ART. IV - CERTEZA RELIGIOSA. MÚNUS DA RAZÃO E DA VONTADE


Certeza religiosa

Mas de que espécie é a certeza apologética? Não há dúvida de que a certeza religiosa é de ordem moral.

É verdade que na parte filosófica as verdades são metafísicas por natureza; porém, as questões que nela se tratam, - existência de Deus e da alma, sua natureza e relações entre Deus e o mundo, - são tão complexas e estranhas a experimentação direta, que a solução desses problemas não se manifesta com evidência matemática, e por conseguinte requerem em nós disposições morais.

Na parte histórica, as provas do fato da revelação se apóiam no valor do testemunho. Portanto, o motivo da nossa certeza devem apoiar-se em sinais que atestem sua existência e credibilidade. Mas, como na parte filosófica como na histórica, a razão e a vontade têm um valor a desempenhar.

Múnus da razão

O múnus da razão é reconhecer a verdade. Ora, como vimos, o critério da verdade é a evidência e não o sentimento. Não julgamos que uma coisa seja verdadeira porque desejamos que o seja, mas julgamo-la tal porque vemos que é verdadeira. Nem o sentimento nem a vontade podem substituir a razão; para amar e querer uma coisa é necessário primeiro conhecê-la. Se chegamos portanto a alcançar a certeza religiosa, é porque a Revelação se apresenta revestida dos caracteres de evidência e dos motivos de credibilidade, que forçam o nosso assentimento.

Múnus da vontade

A razão é insuficiente se não for auxiliada pela vontade, que nesse caso exerce uma dupla função:

Antes do juízo, deve dispor a alma para ver a luz. De fato, é ela que escolhe o objeto de estudo, que dirige para ele a atenção e nele a fixa. Mais ainda; a fim de a inteligência não ficar exposta aos perigos de errar, deve afastar da alma todas as paixões e preconceitos;

No momento de formular o juízo, não é menos necessária a sua intervenção para determinar a inteligência a aderir à verdade, pois esta adesão não se faz sem sacrifícios; as verdades morais, tais como a existência de Deus, dum juiz supremo, da imortalidade da alma, da lei moral e da vida futura, impõe deveres difíceis à natureza e que não raro seríamos instintivamente tentados a repelir.

Sem exagerar o múnus da vontade, podemos afirmar que a verdade religiosa não pode penetrar na alma simplesmente pela força de um silogismo. Devemos acrescentar, com Brunetière, que “se cremos, não é por motivos de ordem intelectual”? Estas palavras, mal interpretadas, não resistiriam à crítica; mas, na intenção do autor, significam certamente que a fé não nasce da força dos argumentos, se não houver o cuidado prévio de dispor a alma por meio da humildade, da mortificação das paixões e sobretudo da oração. As grandes conversões e as transformações morais operadas através dos séculos pelo Cristianismo foram mais propriamente trabalho da vontade e da graça, do que fruto do raciocínio.

Concluamos, pois, que importa assinar à vontade e à razão a missão que lhes compete. Como se exprime Platão, é preciso “procurar a verdade com todas as forças da alma”. Razão, vontade e coração devem unir-se para a conquista da verdade.


Fonte: Bibliografia: Tratados de filosofia; em particular o Manual de Filosofia de C. Lahr (Porto, Apostolado da Imprensa), e os de Fonsegrive, Jolivet e G. Sortais. - S. Tomás, Summa Teológica, De veritate. - Kleutgen, La philosophie scholastique (Gaume). - De Pascal, Le Christianisme, I. Part. La verité da la Religion (Lethielleux). - P. Julien Werquin, L´Évidence et la Science

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