14 de junho de 2014
Francisco ao jornal "La Vanguardia": sou um Papa com o coração de pároco
A paz no Oriente Médio, a Igreja a serviço dos pobres, a reforma do Vaticano e ainda a renúncia de Bento XVI, Pio XII e o Holocausto e as deficiências do atual sistema econômico mundial. São alguns dos temas principais abordados pelo Papa Francisco numa longa entrevista concedida ao jornal espanhol "La Vanguardia", publicada nesta sexta-feira.
O Papa diz querer ser recordado "como uma boa pessoa que fez o possível". E sobre a Copa do Mundo, iniciada esta quinta-feira, brinca: "Os brasileiros me pediram para ser neutro e eu mantenho a palavra". Apresentamos aqui algumas passagens candentes da entrevista.
A violência em nome de Deus "é uma contradição" que "não corresponde a nosso tempo": afirma o Pontífice no início da entrevista. Francisco denuncia o fundamentalismo, risco presente em todas as religiões e se detém sobre "a invocação em favor da paz" com os presidentes israelense e palestino.
O Santo Padre revela que no início, no Vaticano, "99% diziam que o encontro não se realizaria, depois o 1% cresceu". Não era "absolutamente um ato político", evidencia, mas um "ato religioso" a fim de "abrir uma janela para o mundo".
Ademais, o Papa chama a atenção para a questão do antissemitismo: "é uma loucura negar o Holocausto". E afirma que "não se pode ser um verdadeiro cristão, se não reconhece as próprias raízes judaicas".
O diálogo entre cristãos e judeus, observa, é "um desafio, uma batata quente, mas se pode fazer como irmãos". Quanto ao Papa Pio XII, Francisco se diz certo de que a abertura dos Arquivos fará muitas elucidações.
"Sobre o pobre Pio XII" – observa – devemos recordar que antes era visto como o grande defensor dos judeus". E recorda que escondeu muitos deles nos conventos de Roma e de outras cidades italianas, e também na residência de verão de Castel Gandolfo.
"Não quero dizer que Pio XII não tenha cometido erros, eu mesmo cometo muitos – admite o Pontífice – porém, o seu papel deve ser lido no contexto de sua época."
Em seguida, Francisco responde a uma pergunta sobre a Igreja e os pobres. A "pobreza e a humildade – recorda – estão no centro do Evangelho", em "sentido teológico, sociológico". "Não se pode compreender o Evangelho – reitera – sem pobreza, que, porém, se deve distinguir do pauperismo." Os bispos, acrescenta, devem ser "servidores" e não "príncipes".
O Santo Padre denuncia alguns males do sistema econômico mundial, no centro do qual – observa – "colocamos o dinheiro" e assim caímos "no pecado da idolatria". Reitera que jovens e anciãos são tratados como "descarte" e se diz muito preocupado com o desemprego entre os jovens.
Na Europa, observa, existem 75 milhões de jovens desempregados e essa "é uma barbárie". O Papa denuncia que "para manter um sistema econômico que não está mais de pé" se deve "fazer a guerra" e visto que "não se pode fazer a III guerra Mundial", então "se fazem guerras locais". Assim, adverte, "se fabricam e se vendem armas" para "sanar os balanços das economias idólatras".
O Bispo de Roma detém-se, em seguida, sobre a reforma da Cúria. "Não tenho nenhuma iluminação, não tenho nenhum projeto pessoal", afirma: "O que estou fazendo é realizar aquilo que os cardeais refletiram nas Congregações Gerais antes do Conclave".
Uma decisão importante, evidencia, "tinha sido que o futuro Papa deveria poder contar com um conselho externo, um grupo de conselheiros que não vivesse no Vaticano". O que agora é chamado de o "Conselho dos 8".
Francisco responde também a uma pergunta se se sente um "revolucionário". Para mim, afirma, "a grande revolução é ir às raízes", "creio que o modo para fazer verdadeiras mudanças é partir da identidade".
A propósito do fato de ser percebido como um pároco do povo, reconhece que a dimensão do pároco é a que mais responde à sua vocação. "Servir ao povo – ressalta é algo que vem de dentro de mim." "Mas – observa – me sinto também Papa. Ajuda-me a fazer as coisas com seriedade."
"Não se deve brincar de Papa-pároco – acrescenta –, seria imaturo. Quando chega um chefe de Estado, devo recebê-lo com a dignidade e o protocolo que merece. É verdade que tenho meus problemas com o protocolo, porém, deve ser respeitado."
Por outro lado, Francisco admite que não quer barreiras quando se trata de encontrar as pessoas. "Sei que alguma coisa me pode acontecer – reconhece –, porém tudo está nas mãos de Deus." O Pontífice recorda que no Brasil lhe haviam preparado o papamóvel fechado. "Porém – afirma – não posso cumprimentar um povo e dizer-lhe que o amo estando dentro de uma lata de sardinha", "isso para mim é um muro".
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