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4 de novembro de 2011

Entrar pela porta estreita

A porta estreita que dá entrada ao céu supõe o carregar a cruz de cada hora. 
Tal o conselho de Jesus: “Fazei todo esforço possível para entrar pela porta estreita” (Lc 13,24).
Alguns intérpretes da Bíblia, numa hermenêutica alegórica, vêem nesta porta aquela que dá passagem para a união com Deus dentro de cada coração, lá onde mora a Trindade Santa pela graça santificante. 
Entretanto, para se chegar ao limiar desta porta interior e por ela passar há duas etapas. 
A primeira é tudo realizar cônscio da presença divina, empregando a todo instante possível preces curtas. Estas, segundo Santo Agostinho, são como flechas de amor dirigidas ao Hóspede divino. 
São antídotos que afastam pensamentos perturbadores e mantêm a vigilância. 
O resultado é uma transformação terapêutica perante tudo que possa desviar a atenção do Ùnico necessário que é o Senhor de tudo. Reveste-se então o cristão de uma armadura espiritual que o faz apto para a diversidade e complexidade das lutas interiores.
Segundo João Cassiano, são preces de fogo que apagam qualquer desânimo, alimentando a alma, protegendo-a contra as invectivas exteriores do Maligno. Com isto, se evita também a digressão da imaginação nos momentos das demais orações. 
Oferece a paz interior, a apatheia que sempre tiveram os grandes santos e que é viável para todos os discípulos de Jesus. A segunda etapa para se chegar à porta que se abre para a união com Deus é viver com intensidade o momento presente, colocando entre parêntesis o passado e o futuro. 
Toda ação fica então sumamente meritória e se torna meio eficiente de purificação. 
Isto impede que a imaginação trace uma teia de idéias vãs que impedem a reta intenção de em tudo agradar ao Ser Supremo. Deste modo os pensamentos negativos, depressivos, inúteis e até sem sentido, aparecem, mas logo desaparecem. 
Completadas estas etapas, diante da porta estreita que leva à comunhão com Deus dentro do próprio coração, cumpre estar envolto no silêncio interior, sem qualquer preocupação externa, para o encontro inefável com a Santíssima Trindade. 
A quietude do espírito é a chave que abre para degustar a presença sublime da divindade que é abismo de luz.
A consciência inteira se imerge no Senhor num olhar silencioso longe de toda agitação, para além do caos, da confusão, da ansiedade. 
Dá-se o contato com a obscuridade luminosa de que falam os santos e, por um instante, o cristão percebe e como que toca o Infinito, momentos que podem se repetir na vida do seguidor de Cristo, desde que se ponha em condições de se unir a seu Criador lá no íntimo de si mesmo. 
Trata-se de uma liturgia pessoal que é um reflexo da liturgia celeste, ou seja, o degustar da eternidade no tempo. 
A alma consegue ir além das palavras para simplesmente estar com Deus. Este articulista que morou com o Arcebispo Dom Oscar de Oliveira durante seu episcopado de vinte e oito anos em Mariana escutou várias vezes dele ao voltar o sábio Antístite de suas Visitas Pastorais que muitos eram os fiéis que, embora sem grande cultura, viviam uma vida intensa de oração. 
Possuíam uma acendrada espiritualidade. É que o importante é não colocar óbices a ação do Divino Espírito Santo e deixar que Ele fale. Saber escutar. 
Como ocorreu com o Profeta Elias, Deus não está na rajada do vento, nem num terremoto, nem no fogo, mas sim num leve sussurro do silêncio (1Reis 19,11), numa suave brisa. 
A presença de Deus é quase imperceptível, mas percebida pelos que penetram no país do silêncio interior pela porta estreita que leva à união com Ele que amadurece os seus desígnios no sossego de uma prece tranqüila. Para isto o fiel deve estar despojado de si mesmo para captar a eternidade no tempo numa intuição que ultrapassa as emoções, as tensões na descoberta daquele no qual se vive.
O ser do cristão fica escondido com Cristo em Deus, como falou São Paulo aos Colossenses.
Para isto, aconselha este Apóstolo, cumpre se interessar pelas coisas celestes e não pelas coisas terrenas (Cl 3, 2-4). 
Tal atitude supõe constância dia a dia, uma prática cotidiana é a chave que abre para a vastidão da imensidade do Todo-poderoso. 
Isto é a graça maravilhosa de quem sabe orar através da prece da quietude, pérola de grande preço. 
Sem intermitências não se esquece de seu Senhor. 
Feliz, porém, aquele que procura perseverantemente passar sempre pela porta estreita que conduz assim a um contato profundo com Deus, pois pode já na terra degustar um pouco das delícias eternas! 


 Fonte: Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho 
Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

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