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6 de abril de 2011

Não basta dizer ou fazer


A passagem do Evangelho que a Igreja nos apresenta neste domingo corresponde ao trecho final do Sermão da Montanha, no qual o Divino Mestre, estando ainda no início da sua vida pública, compendiou as qualidades morais características daqueles que almejam alcançar a salvação.


Jesus acaba de alertar seus ouvintes para dois obstáculos à prática da virtude - a dificuldade de entrar pela "porta estreita" e a atuação dos falsos profetas - e na passagem considerada nesta liturgia, vai acrescentar mais um: a vã confiança daqueles que pensam ser suficiente dizer "Senhor, Senhor" para entrar no Reino dos Céus.


As palavras devem frutificar em boas obras


"Naquele tempo, disse Jesus a seus discípulos:
21 ‘Nem todo aquele que Me diz: ‘Senhor! Senhor!', entrará no Reino dos Céus, mas o que põe em prática a vontade de meu Pai que está nos Céus'".


Com o uso da expressão "Senhor, Senhor!", chama Jesus a atenção dos seus discípulos para nossa contingência em relação ao Criador e a necessidade de começarmos por admiti-la, para podermos entrar no Reino dos Céus.




Se alguém de nós obtivesse poder para
tirar do nada um esquilo, consideraria,
com toda justiça, esse ser vivo inteira-
mente seu, pois, se não fosse pela sua
ação criadora, o animal jamais
teria começado a existir
Esse reconhecimento, porém, não pode ficar numa mera declamação vazia, como ocorre quando a pessoa não vive em consonância com o que afirma. É preciso pôr em prática "a vontade de meu Pai que está nos Céus". Inútil será, pois, no dia do Juízo, chamar Jesus de "Senhor" sem ter cumprido os seus Mandamentos, porque diante do Supremo Juiz de nada servem os artifícios da linguagem, nem a diplomacia ou a habilidade pessoal. "O caminho do Reino dos Céus é a obediência à vontade de Deus, e não a mera repetição de seu nome",6 sentencia Santo Hilário.


Como sempre acontece no Evangelho, e especialmente neste Sermão da Montanha, Nosso Senhor fala aqui para os séculos futuros. Mas nem por isso deixa de fazer uma grave recriminação aos escribas e aos fariseus daquela época. Sendo mestres e conhecendo bem as Escrituras, ninguém melhor qualificado do que eles para avaliar a profundidade teológica das palavras "Senhor, Senhor!" e pronunciá-las com toda propriedade e reverência. Entretanto, esquecidos da necessidade de amar a Deus com todo o coração, toda a alma e todo o entendimento (cf. Mt 22, 37), reduziram a prática da Lei a um complicado ritual de exterioridades. Conheciam, mas não amavam; possuíam a ciência, mas não a faziam frutificar em boas obras. Faltava-lhes o principal: viver de acordo com os preceitos divinos que ensinavam.


Afirma sobre este versículo São Jerônimo: "Por certo não se confiará naqueles que, sendo embora apreciados pela integridade da fé, vivem torpemente e destroem com suas más obras a integridade da doutrina. Ambas as condições são, pois, necessárias aos servos de Deus: demonstrar a obra pela palavra, e a palavra pela obra".7 Convém assinalar, por fim, com Fillion, o uso das palavras "de meu Pai". Com elas "Jesus proclama- Se abertamente Filho de Deus e anuncia que veio a este mundo para ensinar aos homens a vontade de seu Pai".8


Também as meras obras não bastam, se o coração não está em Deus


22 "Naquele dia, muitos vão Me dizer: ‘Senhor, Senhor, não foi em teu nome que profetizamos? Não foi em teu nome que expulsamos demônios? E não foi em teu nome que fizemos muitos milagres?'
23 Então Eu lhes direi publicamente: ‘Jamais vos conheci. 
Afastai-vos de Mim, vós que praticais o mal'".


No dia do Juízo haverá "muitos" que, além de chamar hipocritamente a Deus de 
"Senhor, Senhor!", alegarão ter feito durante a vida obras merecedoras do prêmio eterno: "Não foi em teu nome que profetizamos? 
Não foi em teu nome que expulsamos demônios? 
E não foi em teu nome que fizemos muitos milagres?".


Ao nos redimir, essa
relação de servidão
entre criatura e
Criador estendeu-se
tambémà human-
idade divina
"Nosso Senhor
Flagelado" 


Aos que assim tentarem ludibriar o Supremo Juiz, Este lhes replicará: 
"Jamais vos conheci. Afastai-vos de Mim, vós que praticais o mal". 
Porque eles realizaram boas obras, sem contudo fazer interiormente "a vontade do Pai que está nos Céus". 
Seus corações estavam postos na procura das coisas materiais, no desejo da projeção social ou em qualquer outro objetivo afastado da salvação eterna. 
Em consequência, apresentar-se-ão diante do Senhor em estado de pecado.9


Já vimos, no versículo anterior, como as belas palavras, de si, são incapazes de conduzir ao Céu. Aqui Jesus vai mais longe, ao afirmar não ser suficiente a mera prática de obras boas para alcançar a salvação eterna. 
E para tornar seu ensinamento luminosamente claro aos ouvintes de todos os séculos, o Divino Mestre menciona as mais estupendas ações que o homem pode realizar nesta Terra - profecias, milagres e exorcismos - e acrescenta que foram feitas invocando o nome do Senhor. Como explicar serem elas destituídas de merecimentos?


A resposta, no-la dá São Jerônimo: "Profetizar, fazer obras admiráveis e expulsar demônios, mesmo quando seja pelo poder divino, não constitui mérito algum para quem realiza tais coisas. [...] Saul, Balaão e Caifás vaticinaram; conforme lê-se nos Atos dos Apóstolos, os sete filhos de Cevas expulsavam, aparentemente, os demônios; e conta-se que Judas, com sua alma de traidor, operou muitos prodígios como os demais Apóstolos, quando tinha já concebido a ideia de trair".10


São João Crisóstomo deixa claro que aqui se faz referência a verdadeiros milagres, e não a meros prodígios, ao observar que a resposta de Jesus, e já antes a pergunta feita, "provam que efetivamente eles haviam feito milagres".


E ante a demonstração de assombro dos réus, vendo-se rejeitados pelo Divino Juiz, explica: "Se, eles se espantaram por se verem condenados depois de ter operado milagres, tu, porém, não tens motivo para ficares pasmo. Pois a graça pertence inteira a quem a dá, e eles não acrescentaram coisa alguma de sua parte. Com toda justiça são castigados, pois desconheceram e foram ingratos com quem de tal maneira os honrou, dando-lhes a graça de operar milagres, embora sendo indignos dela".11


Não podemos esquecer, por fim, que nos versículos anteriores aos aqui comentados, Nosso Senhor alerta o povo contra os falsos profetas (cf. Mt 7, 15-20). Eles não faltarão até o fim dos tempos, mas, adverte-nos Maldonado, "embora façam verdadeiros milagres", jamais devemos dar-lhes crédito, "pois não é só por seus milagres, mas pelos seus frutos, ou seja, pelos seus costumes, que saberemos se são verdadeiros ou falsos profetas".12


Eis aqui, portanto, um critério seguro para conhecer quem faz "a vontade de meu Pai que está nos Céus". Não são os que realizam estupendas obras pronunciando o nome de Jesus com os lábios, sem tê-Lo no coração, mas aqueles que praticam os Mandamentos do Decálogo e regem seu dia a dia pela doutrina moral contida no Sermão da Montanha. "Pois o que o Senhor nos quer fazer ver é que, sem a vida reta, de nada valem a fé nem os milagres", conclui o Crisóstomo.13


Essa submissão interior à vontade do Pai, frutificada em santidade de vida, é a única forma cabal de reconhecermos nossa pertença a Jesus enquanto Criador e Redentor.

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