Esta é uma triste mas interessante ironia sobre a história da Reforma - muitos querem ou clamar por Lutero ou desonrá-lo. Para um homem tão desprezado por tantos grupos, é irônico como aqueles com uma visão particular acham que se eles apelarem a Lutero, de uma forma ou outra a grande maioria da Cristandade Protestante irá levá-los a sério.
De outro lado, aqueles desejando se distanciar do Protestantismo histórico apelam da mesma forma a Lutero; eles argumentam que Lutero era imoral, então o Protestantismo é fraudulento. Ambos métodos são fúteis.
Sabemos que Lutero também era conhecido como pentecostal e que falava em línguas, então é claro, há o Lutero católico romano que era “bom devoto” da Virgem Maria. Há o Lutero antissemita usado pelos Neo-Nazistas. Há até mesmo o Lutero polígamo, precursor dos Mórmons. Esta é só a ponta do iceberg – há muito mais Luteros por aí.
Vamos dar uma olhada em outro Lutero: o Lutero adventista do sétimo dia que defende o “sono da alma”.
Para aqueles de vocês que não estão bem familiarizados com o que é este “sono da alma”, é a ideia que depois da morte a alma “dorme” até a ressurreição final. Em outras palavras, depois de morrer a alma não vai conscientemente para a presença direta de Deus. Ao invés disto, ela hiberna até a ressurreição – quando é então acordada e reunida com seu corpo.
Me enviaram um link para esta discussão. O adventista do sétimo dia que iniciou esta discussão citou isto de um site adventista:
“O vice-bispo Francis Blackbume declara em seu Short Historical View of the Controversy Concerning an Intermediate State, de 1765: Lutero ensinou a doutrina do sono da alma, sobre um fundamento bíblico, e então ele fez uso dela como uma refutação do purgatório e da veneração aos santos, e continuou nesta crença até o último momento de sua vida
Antes de, de fato, mergulhar no entendimento de Lutero sobre o “sono da alma”, é interessante olhar para os fatos cuidadosamente. Enquanto Lutero afirmou “o sono da alma”, seria incorreto achar que seu ponto de vista sobre o assunto foi a razão pela qual ele negou o purgatório e a veneração aos santos.
Eu não me lembro sequer de ler Lutero usando o “sono da alma” para refutar o purgatório ou a veneração aos santos. Frequentemente Lutero apontava que o Purgatório não era ensinado nas Escrituras, e também que isto serviu como uma doutrina de geração de lucros para o Papado. Ambos eram argumentos fortes para refutar o Purgatório. Eu não li Lutero em nenhum lugar usando “sono da alma” para refutar a veneração aos santos também – isto pode existir, mas eu não li. Lutero sabia que orações para, e fé nos santos violava o Primeiro Mandamento. Se Lutero alguma vez apelou para o “sono da alma” para “refutar o purgatório e a veneração dos santos”, isto foi esparsamente. Então bem no começo, é óbvio que a visão de Lutero sobre o “sono da alma” está sendo manuseada de forma errada pelos adventistas.
De acordo com os adventistas do sétimo dia, assim que a alma acorda ela é ou mandada para a eternidade ou aniquilada – assim eles negam a imortalidade da alma. Interessantemente, eles tentam puxar Lutero para este lado também. O cavalheiro adventista que fez esta citação também postou um link para um artigo de um adventista. O artigo quer fazer acreditar que Lutero era parte de um grupo crescente “daqueles que negavam a imortalidade natural da alma, e declarava a imortalidade condicional do homem”. O artigo nota, “Em 19 de dezembro de 1513, em conexão com a oitava sessão do quinto Concílio Laterano, o Papa Leão X expeliu uma bula (Apostolici regimis) declarando, 'Nós condenamos e reprovamos todos que afirmam que a alma inteligente é mortal'”.
Aqui está uma citação interessante encontrado no link:
Então, em 31 de outubro de 1517, Lutero pregou suas famosas Teses na porta da igreja em Wittenberg. Em suas publicadas Defesas das 41 proposições, Lutero citou a declaração do papa sobre a imortalidade, como entre “aquelas monstruosas opiniões a ser encontradas no monte de esterco de decretos romanos" (proposição 27). Na vigésima sétima proposição de sua Defesa, Lutero disse:
“Contudo, eu permito ao Papa estabelecer artigos de fé para si mesmo e para seus próprios fiéis – tais como: que o pão e o vinho são transubstanciados no sacramento; que a essência de Deus não gera nem é gerada; que a alma é a forma substancial do corpo humano; que ele [o papa] é o imperador do mundo e rei dos céus, e deus terreno; que a alma é imortal; e todas estas monstruosidades sem fim no monte de estrume dos decretos romanos – para que tal qual sua fé é, tal seja seu evangelho, e tal a sua igreja, e que os lábios tenham alface apropriada e a tampa possa ser digna da panela. – Martinho Lutero, Assertio Omnium Articulorum M. Lutheri per Bullam Leonis X. Novissimam Damnatorum (Asserção de todos os artigos de M. Lutero condenadas pela última Bula de Leão X), artigo 27, edição de Weimar das obras de Lutero, vol. 7, págs. 131, 132 (uma exposição ponto a ponto de sua posição, escritos em 1 de dezembro de 1520, em resposta aos pedidos para um tratamento mais completo que o que foi dado em seu Adversus execrabilem Antichristi Bullam, e Wider die Bulle des Endchrists).”
Note o que está sendo perpetrado: Lutero nega a imortalidade da alma. Como pode ser isto? Não pode. Imagine, um cristão que não acredita pelo menos que algumas almas são imortais. Agora um adventista do sétimo dia está tentando usar isto para provar que Lutero acreditava na aniquilação de almas que não seriam salvas depois que elas acordassem do “sono da alma” - daí que a alma não é necessariamente imortal.
Mas Lutero não disse isto, nem era ele parte de um grupo crescente “daqueles que negavam a imortalidade natural da alma, e afirmaram a imortalidade condicional do homem”. Em LW 32:77 em sua exposta defesa das 95 Teses, Lutero diz:
Daí os especialistas em Roma recentemente pronunciaram um decreto sagrado [no Quinto Concílio Laterano, 1512-1517] que estabelece que a alma do homem é imortal, agindo como se nós não disséssemos todos em nosso comum Credo, “eu acredito na vida eterna”. E, com a assistência do gênio Aristóteles, eles decretam além disto que a alma é “essencialmente a forma do corpo humano”, e muitos outros esplêndidos artigos de natureza parecida. Estes decretos são, de fato, mais apropriados para a igreja papal, pois eles possibilitam a eles manter sonhos humanos e as doutrinas de demônios enquanto eles pisam e destroem a fé e ensino de Cristo.
Uma valiosa nota de rodapé explica, “Lutero se opõe à substituição de ensino bíblico da ressurreição e vida eterna por ideias filosóficas a respeito da imortalidade da alma. Cf. Carl Stange, Studien zur Theologte Luthers (Gütersloh, 1928– ), págs 287–344”. Assim, Lutero está condenando a especulação filosófica na aparência de pronunciamentos infalíveis da igreja – ele não está negando a imortalidade da alma. Em outro lugar Lutero explica, “Quando o último concílio Laterano estava para ser concluído em Roma sob o Papa Leão, entre outros artigos havia sido decretado que devia-se acreditar que a alma é imortal. Disto se pode concluir que eles fazem da vida eterna um objeto de escárnio e desprezo. Desta forma eles confessam que é uma crença comum entre eles que não há vida eterna, mas que eles agora querem proclamar isto por meio de uma bula” (LW 47:37).
Lutero repetidamente afirmou a imortalidade da alma, e frequentemente apontou que não deve ser crido por causa de especulação filosófica. Deve ser crida porque Deus falou em sua Palavra:
Apesar de alguns dos filósofos, como Sócrates e outros, manterem a imortalidade da alma, eles foram ridicularizados pelo resto dos filósofos e desprezados. Mas não é loucura para a razão humana ser tão ofendida, já que ela vê que mesmo agora a procriação do homem é cheia de maravilhas? Não parece contrário à razão que o homem, que é para viver para sempre, é nascido, como foi, de uma simples gotícula de sêmen dos lombos do pai? Isto é muito mais absurdo do que quando Moisés diz que o homem foi formado de um torrão de terra pelos dedos de Deus. Mas a razão mostra desta forma que ela não sabe praticamente nada sobre Deus, que, meramente por um pensamento, faz do torrão de terra, não o sêmen do ser humano mas o próprio ser humano, e, como Moisés diz depois, faz a mulher da costela do homem. Tal foi a origem do homem. (LW 1:84)
Os filósofos de fato disputaram sobre a imortalidade da alma, mas tão friamente que eles pareciam estar estabelecendo meras fábulas. Aristóteles acima de tudo argumentava sobre a alma de tal forma que ele diligentemente e astutamente evita discutir sua imortalidade em qualquer lugar; nem queria ele expressar o que ele pensou sobre isto. Platão relacionou o que ele ouviu ao invés de sua própria opinião. Nem pode esta imortalidade ser provada por qualquer razão humana, pois não é algo “debaixo do sol” acreditar que a alma é imortal. No mundo não é nem visto nem entendido como certo que as almas são imortais (LW 15:59)
As motivações para se citar Lutero
Na primeira parte, eu dei uma olhada na discussão iniciada por um adventista, e também em um documento web de um adventista intitulado Martin Luther and William Tyndale on the State of the Dead. Eu contatei ambos autores para fazê-los saber que eu estaria dando uma olhada em seu material histórico sobre Lutero. Eu tinha esperança de que o autor do documento web me respondesse – ele ainda não me respondeu. Mas o adventista que iniciou a discussão respondeu. Em um comentário ele declarou:
Interessantes conclusões você chegou, mas como um adventista do sétimo dia e como aquele que iniciou a discussão sobre Lutero e o “sono da alma” eu não coloco Lutero acima do que ele era. Em outras palavras eu não estou apelando para Lutero para estabelecer qualquer credibilidade adventista. Eu concordo com o que Lutero disse em muitas coisas e discordo sobre outras. O “sono da alma” e a mortalidade da alma são bíblicos.
Deve-se simplesmente perguntar então, por que citar Lutero? Por que sua opinião importa? Em outro lugar na mesma discussão ele também declarou:
“Maravilhoso pensar que agora faz mais ou menos 500 anos que o grande reformador nos deu tanta luz sobre o evangelho”.
“Não importa o que eu digo ou mesmo o que Lutero diz. Eu citei isto para mostrar a todos o que os reformadores protestantes acreditavam da Bíblia”
Meu ponto continua: Lutero está sendo usado em uma tentativa de dar validade à posição adventista. Simplesmente porque este adventista nega isto não significa que ele não está fazendo isto. Se não é o caso, então por que citar Lutero?
Na parte um eu demonstrei que algumas das informações históricas usadas por estes adventistas não estão exatas. Eu continuarei apontando que algumas das informações que eles usam estão sendo seletivamente citadas. No documento web Martin Luther and William Tyndale on the State of the Dead, o autor cita o livro de Hugh Kerr, Compend of Luther’s Theology (Philadelphia: The Westminster Press, 1943). O livro de Kerr é uma útil e curta antologia das citações de Lutero. O capítulo 11 lida especificamente com a escatologia de Lutero – no entanto não em detalhes. O documento web adventista fornece esta citação de Lutero do livro de Kerr:
Nós devemos aprender a ver nossa morte com a luz correta, de forma que não fiquemos alarmados por causa dela, como o descrente faz; porque em Cristo ela não é de fato morte, mas um fino, doce e breve sono, que nos traz libertação deste vale de lágrimas, do pecado e do temor e extremidade da verdadeira morte e de todos os desfortúnios desta vida, e nós devemos estar seguros e sem cuidado, descansando docemente e gentilmente por um breve momento, como em um sofá, até o tempo quando ele nos chamar e nos acordar juntamente com todos seus queridos filhos para sua eterna glória e gozo. Pois já que nós o chamamos de sono, nós sabemos que não ficaremos nele, mas seremos novamente acordados e vivificados, e que o tempo durante o qual dormimos, não parecerá mais longo do que se nós tivéssemos apenas caído no sono. Daí nós devemos nos censurar por estarmos surpresos ou alarmados com tal sono na hora da morte, e de repente formos revividos da cova e da decomposição, e inteiramente bem, novo, com uma pura, clara e glorificada vida, encontrarmos nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo nas nuvens...
As Escrituras em todo lugar fornecem tal consolação, que fala da morte dos santos, como se eles caíssem em sono e fossem ajuntados aos seus pais, ou seja, que venceram a morte através de sua fé e conforto em Cristo, e esperam a ressurreição juntos com os santos que os precederam na morte – Compend of Luther’s Theology, editado por Hugh Thomson Kerr, Jr., p. 242”.
Agora, eu me dou conta que eu tenho ainda que tratar da visão de Lutero sobre o sono da alma. Mas se eu fosse citar este livro, eu me certificaria de ler todas as citações sobre o entendimento de Lutero a respeito da alma após a morte que Kerr provê (que são poucas). Se o autor quisesse usar este compêndio para estabelecer a visão de Lutero, alguém poderia se questionar por que ele não começou com a citação encontrada na página anterior (241):
É verdade que as almas ouvem, percebem e veem através da morte; mas como isto é feito, nós não entendemos... Se nós nos responsabilizarmos a dar um relato de tais coisas segundo a forma desta vida, então somos tolos. Cristo nos deu uma boa resposta; pois seus discípulos estavam sem dúvida simplesmente curiosos. ‘Aquele que acredita em mim, ainda que morra, viverá’ (João 11:25); da mesma forma: ‘Se vivemos ou se morremos, nós somos do Senhor’ (Rm 14:8)… ‘A alma de Abraão vive com Deus, seu corpo jaz aqui morto’ seria uma distinção que para minha mente é mera podridão! Eu a disputaria. Alguém poderia dizer: ‘O Abraão inteiro, o homem completo, vive!’ – Conversas com Lutero, págs. 122 f.
Fonte: Hugh Kerr, Compend of Luther’s Theology (Philadelphia: The Westminster Press, 1943), 241
Agora, alguém deve lidar com a informação que contradiz sua própria posição. Os adventistas devem lidar com as citações de Lutero que também negam sua posição sobre o sono da alma. A próxima parte irá olhar especificamente para o entendimento de Lutero sobre a alma na morte.
A visão de Lutero sobre o estado dos mortos
Nesta parte, eu gostaria de analisar o entendimento de Lutero sobre o ‘sono da alma’. O sono da alma é a ideia que depois da morte a alma ‘dorme’ até a ressurreição final. Se diz que a alma hiberna até a ressurreição – quando se diz então que é acordada e reunida com seu corpo.
Lutero acreditava nisto? A resposta é sim, especulativamente. Ele o fazia em termos um tanto não dogmáticos, sempre alertando seus leitores de que nós não temos compreensão completa deste tema. Algumas vezes ele diz coisas que contradizem o ‘sono da alma’ – sua conclusão não era dogmática.
Lutero sabia que descrever o estado dos mortos era teologia especulativa. O estado dos mortos estava inclinado à especulação selvagem durante seu tempo. Ele não se juntaria a tal tolice.
Isto pode ser visto no início de sua carreira em uma carta a Nicholas von Amsdorf (13 de Janeiro de 1522). Lutero respondeu à questão do que acontece com a alma depois da morte. Note como Lutero responde cuidadosamente:
A respeito de suas “almas”, eu não tenho suficiente [conhecimento do problema] para te responder. Eu estou inclinado a concordar com sua opinião que as almas simplesmente dormem e que elas não sabem onde estão até o dia do Julgamento. Sou levado a esta opinião pela palavra das Escrituras. “Eles dormem com seus pais”. Os mortos que foram levantados por Cristo e pelos apóstolos testificam este fato, já que é como se eles estivessem acabado de ser acordados do sono e não sabem onde eles estiveram. A isto pode ser adicionado as experiências extáticas de muitos santos. Eu não tenho nada com o qual eu poderia derrubar esta opinião. Mas eu não ouso afirmar que isto é verdade para todas as almas em geral, tendo em vista o êxtase de Paulo e a ascensão de Elias e de Moisés (que certamente não apareceram como fantasmas no monte Tabor).
Quem sabe como Deus lida com as almas que partem? Não poderia [Deus] da mesma forma simplesmente fazê-las dormir e acordar (ou enquanto ele deseja [que elas durmam]), assim como ele submete ao sono aqueles que vivem na carne? E novamente, aquela passagem em a respeito de Abraão e Lázaro, apesar de não forçar a hipótese de uma universal [capacidade de sentir da parte de quem se foi],no entanto atribui uma capacidade de sentir a Abraão e Lázaro, e é difícil torcer esta passagem para se referir ao dia do Julgamento.
Eu penso o mesmo sobre as almas condenadas; alguns podem sentir as punições imediatamente após a morte, mas outros podem ser poupados das [punições] até aquele Dia [do Julgamento]. Pois o festejador [na parábola] confessa que está sendo torturado; e o Salmo diz. “O mal irá se encontrar com o homem quando ele perece”. Você talvez também refira isto ou ao Dia do Julgamento ou à angústia passageira da morte física. Então minha opinião seria que isto é incerto. É mais provável, contudo, que com algumas exceções, todas [as almas que se foram] dormem sem possuir qualquer capacidade de sentir. Considere agora quem eram os “espíritos em prisão” a quem Cristo pregou, como Pedro escreve: Não poderiam eles também dormir até o Dia [do Julgamento]? Mas quando Judas diz a respeito dos Sodomitas que eles sofrem a dor do fogo eterno, ele está falando de um [fogo] presente”. [LW 48:360-361]
Note acima que para Lutero a alma dorme, mas ele faz exceções. Como Paul Althaus explica, “Algumas passagens bíblicas compelem Lutero a fazer certas exceções à regra de que os mortos dormem. Deus pode também acordá-los por um tempo – assim como ele permite aqueles de nós aqui na terra a alternar entre andar e dormir. E o fato de que eles estão dormindo não impede almas de experimentar visões e de ouvir Deus e os anjos falarem” [Paul Althaus, The Theology of Martin Luther (Philadelphia: Fortress Press, 1963), 415].
Acima, Lutero diz “É mais provável, contudo, que com algumas exceções, todas [as almas que se foram] dormem sem possuir qualquer capacidade de sentir.”. Em outro lugar no entanto ele diz, “É verdade que almas ouvem, pensam, veem depois da morte, mas como eles fazem isto não entendemos” [Fonte: Ewald Plass, What Luther Says III:384]. Lutero assim fez declarações contrárias de que mesmo na morte, o crente ainda conscientemente conhece Deus e o serve. Isto pode ser visto em suas últimas palestras em Gênesis:
Pois como é Abraão um servo de Deus depois de sua morte? Deus não será capaz de eventualmente esquecer Abraão? Hoje ele certamente ainda serve Deus, assim como Adão, Abel e Noé servem Deus. E isto deve ser notado cuidadosamente; pois é verdade divina que Abraão está vivendo, servindo Deus e reinando com Ele. Mas qual a natureza desta vida, se ele está dormindo ou acordado, é outra questão. Nós não temos que saber como a alma descansa. É certo que ela está viva. [LW 5:74].
Ewald Plass diz que Lutero mantinha “paradoxais, se não, incongruentes, conclusões” sobre o estado dos mortos [What Luther Says III: 385]. Ele cita este comentário das últimas palestras de Lutero em Gênesis:
Mas agora outra questão se levanta. Já que é certo que as almas estão vivas e estão em paz, que tipo de vida ou descanso é este? Mas esta questão é muito elevada e muito difícil para nós sermos capazes de defini-la. Pois Deus não quis que nós soubéssemos disto nesta vida. Assim é suficiente para nós sabermos que as almas não saem de seus corpos para o perigo de torturas e punições do inferno, mas que está preparado para eles um quarto onde eles podem dormir em paz.
No entanto, há uma diferença entre o sono ou descanso desta vida e daquela da futura vida. Pois durante a noite uma pessoa que ficou exausto por seus trabalhos diários em sua vida entra em seu quarto em paz, como se fosse, para dormir ali; e durante esta noite ele goza de descanso e não tem conhecimento sobre qualquer mal causado ou por fogo ou por assassinato. Mas a alma não dorme da mesma forma. Ela está desperta. Ela experimenta visões e os discursos dos anjos de Deus.
Então o sono na vida futura é mais profundo do que nesta vida. Todavia, a alma vive perante Deus. Com esta analogia, que eu tenho do sono de uma pessoa viva, eu estou satisfeito; pois nele há paz e quietude. Ele acha que ele dormiu mais ou menos uma ou duas horas, e no entanto ele vê que a alma dorme de tal forma que também está desperta. [LW 4:313].
Mas e sobre aqueles que rejeitam Cristo? Eles vão imediatamente para a perdição? Lutero novamente responde de forma cautelosa, notando que ele é indeciso sobre quando eles recebem o punimento:
…Quando o ímpio morre, se eles partiram há muito tempo, antes da vinda de Cristo, ou hoje, depois que Cristo foi revelado, eles simplesmente vão para a perdição. Mas nós não sabemos se sua perdição começa imediatamente depois da morte; pois está escrito (Rm 14:10) que todos deverão estar perante o tribunal, e João 5:29 declara: “Aqueles que fizeram o bem irão para a ressurreição da vida, e aqueles que fizeram o mal, para a ressurreição do julgamento”.
Consequentemente, nós devemos nos lembrar que depois de Cristo o seio de Abraão veio a um fim e que todas as promessas sobre a vinda da Semente se cumpriram. Nós temos outras e mais gloriosas promessas que nos foram dadas pelo Filho de Deus, que se encarnou, sofreu e foi levantado de novo. Se não acreditarmos nestas, nós estamos condenados para sempre. Mas eu sou incapaz de dizer positivamente em que estado os condenados no Novo Testamento estão. Eu deixo isto sem decidir. [LW 4:316]
Seus escritos sobre o assunto também vacilam. Comentando sobre o falecido Urbanus Rhegius, Lutero diz, “Nós devemos saber que ele é abençoado e que ele tem vida eterna e alegria eterna e participação com Cristo na igreja Celestial. Pois agora ele aprendeu, viu com seus próprios olhos, e ouviu aquelas coisas que ele aqui na igreja na terra explicou segundo a palavra de Deus” [Fonte: WA 53:400; Paul Althaus, The Theology of Martin Luther (Philadelphia: Fortress Press, 1963), 415]. Também falando de outra pessoa falecida, “Doença o levou para o céu para nosso Senhor Jesus Cristo” [Althaus, 415]. Althaus nota que Lutero manteve que o tempo era irrelevante da perspectiva eterna. Para aqueles que morrem, o seu despertar do “sono da alma” é sentido como imediato. Lutero diz, “Aqui você deve colocar o tempo fora de sua mente e saber que naquele mundo não há nem tempo nem uma medida de tempo, mas tudo é um eterno momento” [Fonte: WA 10III, 194; Althaus, 416].
O que pode ser concluído da visão de Lutero?
Eu declararia o seguinte: a posição de Lutero sobre este tema não é dogmático. Ele considera o tema como teologia especulativa. Então, sua opinião não contribui sempre.
O que pode ser dito do uso de Lutero pelos adventistas do sétimo dia neste ponto?
Eu sugiro que eles incorretamente apresentam um Lutero dogmático que usa o “sono da alma” para refutar o purgatório e a veneração de santos, que eu mantenho não ser o caso. Para usar Lutero corretamente, eles deveriam pelo menos notar que a opinião de Lutero era especulativa e não dogmática.
Ele não abordou o texto das Escrituras com a mesma certeza sobre o “sono da alma” que eles abordam. Lutero nem mesmo possui as mesmas motivações teológicas para a doutrina do “sono da alma” que os adventistas possuem. O que motiva os adventistas nesta doutrina? O que motivou Lutero?
Estas parecem ser as questões cruciais para qualquer um desejando usar Lutero como uma autoridade.
Fonte de pesquisa: e-cristianismo;
Nota: O texto acima foi adaptado de três posts que o autor fez em seu blog: The Seventh Day Adventist Luther: Soul Sleep and the Immortality of the Soul(Part One); The Seventh Day Adventist Luther: Soul Sleep and the Immortality of the Soul(Part two) e The Seventh Day Adventist Luther: Soul Sleep and the Immortality of the Soul(Part three).
De outro lado, aqueles desejando se distanciar do Protestantismo histórico apelam da mesma forma a Lutero; eles argumentam que Lutero era imoral, então o Protestantismo é fraudulento. Ambos métodos são fúteis.
Sabemos que Lutero também era conhecido como pentecostal e que falava em línguas, então é claro, há o Lutero católico romano que era “bom devoto” da Virgem Maria. Há o Lutero antissemita usado pelos Neo-Nazistas. Há até mesmo o Lutero polígamo, precursor dos Mórmons. Esta é só a ponta do iceberg – há muito mais Luteros por aí.
Vamos dar uma olhada em outro Lutero: o Lutero adventista do sétimo dia que defende o “sono da alma”.
Para aqueles de vocês que não estão bem familiarizados com o que é este “sono da alma”, é a ideia que depois da morte a alma “dorme” até a ressurreição final. Em outras palavras, depois de morrer a alma não vai conscientemente para a presença direta de Deus. Ao invés disto, ela hiberna até a ressurreição – quando é então acordada e reunida com seu corpo.
Me enviaram um link para esta discussão. O adventista do sétimo dia que iniciou esta discussão citou isto de um site adventista:
“O vice-bispo Francis Blackbume declara em seu Short Historical View of the Controversy Concerning an Intermediate State, de 1765: Lutero ensinou a doutrina do sono da alma, sobre um fundamento bíblico, e então ele fez uso dela como uma refutação do purgatório e da veneração aos santos, e continuou nesta crença até o último momento de sua vida
Antes de, de fato, mergulhar no entendimento de Lutero sobre o “sono da alma”, é interessante olhar para os fatos cuidadosamente. Enquanto Lutero afirmou “o sono da alma”, seria incorreto achar que seu ponto de vista sobre o assunto foi a razão pela qual ele negou o purgatório e a veneração aos santos.
Eu não me lembro sequer de ler Lutero usando o “sono da alma” para refutar o purgatório ou a veneração aos santos. Frequentemente Lutero apontava que o Purgatório não era ensinado nas Escrituras, e também que isto serviu como uma doutrina de geração de lucros para o Papado. Ambos eram argumentos fortes para refutar o Purgatório. Eu não li Lutero em nenhum lugar usando “sono da alma” para refutar a veneração aos santos também – isto pode existir, mas eu não li. Lutero sabia que orações para, e fé nos santos violava o Primeiro Mandamento. Se Lutero alguma vez apelou para o “sono da alma” para “refutar o purgatório e a veneração dos santos”, isto foi esparsamente. Então bem no começo, é óbvio que a visão de Lutero sobre o “sono da alma” está sendo manuseada de forma errada pelos adventistas.
De acordo com os adventistas do sétimo dia, assim que a alma acorda ela é ou mandada para a eternidade ou aniquilada – assim eles negam a imortalidade da alma. Interessantemente, eles tentam puxar Lutero para este lado também. O cavalheiro adventista que fez esta citação também postou um link para um artigo de um adventista. O artigo quer fazer acreditar que Lutero era parte de um grupo crescente “daqueles que negavam a imortalidade natural da alma, e declarava a imortalidade condicional do homem”. O artigo nota, “Em 19 de dezembro de 1513, em conexão com a oitava sessão do quinto Concílio Laterano, o Papa Leão X expeliu uma bula (Apostolici regimis) declarando, 'Nós condenamos e reprovamos todos que afirmam que a alma inteligente é mortal'”.
Aqui está uma citação interessante encontrado no link:
Então, em 31 de outubro de 1517, Lutero pregou suas famosas Teses na porta da igreja em Wittenberg. Em suas publicadas Defesas das 41 proposições, Lutero citou a declaração do papa sobre a imortalidade, como entre “aquelas monstruosas opiniões a ser encontradas no monte de esterco de decretos romanos" (proposição 27). Na vigésima sétima proposição de sua Defesa, Lutero disse:
“Contudo, eu permito ao Papa estabelecer artigos de fé para si mesmo e para seus próprios fiéis – tais como: que o pão e o vinho são transubstanciados no sacramento; que a essência de Deus não gera nem é gerada; que a alma é a forma substancial do corpo humano; que ele [o papa] é o imperador do mundo e rei dos céus, e deus terreno; que a alma é imortal; e todas estas monstruosidades sem fim no monte de estrume dos decretos romanos – para que tal qual sua fé é, tal seja seu evangelho, e tal a sua igreja, e que os lábios tenham alface apropriada e a tampa possa ser digna da panela. – Martinho Lutero, Assertio Omnium Articulorum M. Lutheri per Bullam Leonis X. Novissimam Damnatorum (Asserção de todos os artigos de M. Lutero condenadas pela última Bula de Leão X), artigo 27, edição de Weimar das obras de Lutero, vol. 7, págs. 131, 132 (uma exposição ponto a ponto de sua posição, escritos em 1 de dezembro de 1520, em resposta aos pedidos para um tratamento mais completo que o que foi dado em seu Adversus execrabilem Antichristi Bullam, e Wider die Bulle des Endchrists).”
Note o que está sendo perpetrado: Lutero nega a imortalidade da alma. Como pode ser isto? Não pode. Imagine, um cristão que não acredita pelo menos que algumas almas são imortais. Agora um adventista do sétimo dia está tentando usar isto para provar que Lutero acreditava na aniquilação de almas que não seriam salvas depois que elas acordassem do “sono da alma” - daí que a alma não é necessariamente imortal.
Mas Lutero não disse isto, nem era ele parte de um grupo crescente “daqueles que negavam a imortalidade natural da alma, e afirmaram a imortalidade condicional do homem”. Em LW 32:77 em sua exposta defesa das 95 Teses, Lutero diz:
Daí os especialistas em Roma recentemente pronunciaram um decreto sagrado [no Quinto Concílio Laterano, 1512-1517] que estabelece que a alma do homem é imortal, agindo como se nós não disséssemos todos em nosso comum Credo, “eu acredito na vida eterna”. E, com a assistência do gênio Aristóteles, eles decretam além disto que a alma é “essencialmente a forma do corpo humano”, e muitos outros esplêndidos artigos de natureza parecida. Estes decretos são, de fato, mais apropriados para a igreja papal, pois eles possibilitam a eles manter sonhos humanos e as doutrinas de demônios enquanto eles pisam e destroem a fé e ensino de Cristo.
Uma valiosa nota de rodapé explica, “Lutero se opõe à substituição de ensino bíblico da ressurreição e vida eterna por ideias filosóficas a respeito da imortalidade da alma. Cf. Carl Stange, Studien zur Theologte Luthers (Gütersloh, 1928– ), págs 287–344”. Assim, Lutero está condenando a especulação filosófica na aparência de pronunciamentos infalíveis da igreja – ele não está negando a imortalidade da alma. Em outro lugar Lutero explica, “Quando o último concílio Laterano estava para ser concluído em Roma sob o Papa Leão, entre outros artigos havia sido decretado que devia-se acreditar que a alma é imortal. Disto se pode concluir que eles fazem da vida eterna um objeto de escárnio e desprezo. Desta forma eles confessam que é uma crença comum entre eles que não há vida eterna, mas que eles agora querem proclamar isto por meio de uma bula” (LW 47:37).
Lutero repetidamente afirmou a imortalidade da alma, e frequentemente apontou que não deve ser crido por causa de especulação filosófica. Deve ser crida porque Deus falou em sua Palavra:
Apesar de alguns dos filósofos, como Sócrates e outros, manterem a imortalidade da alma, eles foram ridicularizados pelo resto dos filósofos e desprezados. Mas não é loucura para a razão humana ser tão ofendida, já que ela vê que mesmo agora a procriação do homem é cheia de maravilhas? Não parece contrário à razão que o homem, que é para viver para sempre, é nascido, como foi, de uma simples gotícula de sêmen dos lombos do pai? Isto é muito mais absurdo do que quando Moisés diz que o homem foi formado de um torrão de terra pelos dedos de Deus. Mas a razão mostra desta forma que ela não sabe praticamente nada sobre Deus, que, meramente por um pensamento, faz do torrão de terra, não o sêmen do ser humano mas o próprio ser humano, e, como Moisés diz depois, faz a mulher da costela do homem. Tal foi a origem do homem. (LW 1:84)
Os filósofos de fato disputaram sobre a imortalidade da alma, mas tão friamente que eles pareciam estar estabelecendo meras fábulas. Aristóteles acima de tudo argumentava sobre a alma de tal forma que ele diligentemente e astutamente evita discutir sua imortalidade em qualquer lugar; nem queria ele expressar o que ele pensou sobre isto. Platão relacionou o que ele ouviu ao invés de sua própria opinião. Nem pode esta imortalidade ser provada por qualquer razão humana, pois não é algo “debaixo do sol” acreditar que a alma é imortal. No mundo não é nem visto nem entendido como certo que as almas são imortais (LW 15:59)
As motivações para se citar Lutero
Na primeira parte, eu dei uma olhada na discussão iniciada por um adventista, e também em um documento web de um adventista intitulado Martin Luther and William Tyndale on the State of the Dead. Eu contatei ambos autores para fazê-los saber que eu estaria dando uma olhada em seu material histórico sobre Lutero. Eu tinha esperança de que o autor do documento web me respondesse – ele ainda não me respondeu. Mas o adventista que iniciou a discussão respondeu. Em um comentário ele declarou:
Interessantes conclusões você chegou, mas como um adventista do sétimo dia e como aquele que iniciou a discussão sobre Lutero e o “sono da alma” eu não coloco Lutero acima do que ele era. Em outras palavras eu não estou apelando para Lutero para estabelecer qualquer credibilidade adventista. Eu concordo com o que Lutero disse em muitas coisas e discordo sobre outras. O “sono da alma” e a mortalidade da alma são bíblicos.
Deve-se simplesmente perguntar então, por que citar Lutero? Por que sua opinião importa? Em outro lugar na mesma discussão ele também declarou:
“Maravilhoso pensar que agora faz mais ou menos 500 anos que o grande reformador nos deu tanta luz sobre o evangelho”.
“Não importa o que eu digo ou mesmo o que Lutero diz. Eu citei isto para mostrar a todos o que os reformadores protestantes acreditavam da Bíblia”
Meu ponto continua: Lutero está sendo usado em uma tentativa de dar validade à posição adventista. Simplesmente porque este adventista nega isto não significa que ele não está fazendo isto. Se não é o caso, então por que citar Lutero?
Na parte um eu demonstrei que algumas das informações históricas usadas por estes adventistas não estão exatas. Eu continuarei apontando que algumas das informações que eles usam estão sendo seletivamente citadas. No documento web Martin Luther and William Tyndale on the State of the Dead, o autor cita o livro de Hugh Kerr, Compend of Luther’s Theology (Philadelphia: The Westminster Press, 1943). O livro de Kerr é uma útil e curta antologia das citações de Lutero. O capítulo 11 lida especificamente com a escatologia de Lutero – no entanto não em detalhes. O documento web adventista fornece esta citação de Lutero do livro de Kerr:
Nós devemos aprender a ver nossa morte com a luz correta, de forma que não fiquemos alarmados por causa dela, como o descrente faz; porque em Cristo ela não é de fato morte, mas um fino, doce e breve sono, que nos traz libertação deste vale de lágrimas, do pecado e do temor e extremidade da verdadeira morte e de todos os desfortúnios desta vida, e nós devemos estar seguros e sem cuidado, descansando docemente e gentilmente por um breve momento, como em um sofá, até o tempo quando ele nos chamar e nos acordar juntamente com todos seus queridos filhos para sua eterna glória e gozo. Pois já que nós o chamamos de sono, nós sabemos que não ficaremos nele, mas seremos novamente acordados e vivificados, e que o tempo durante o qual dormimos, não parecerá mais longo do que se nós tivéssemos apenas caído no sono. Daí nós devemos nos censurar por estarmos surpresos ou alarmados com tal sono na hora da morte, e de repente formos revividos da cova e da decomposição, e inteiramente bem, novo, com uma pura, clara e glorificada vida, encontrarmos nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo nas nuvens...
As Escrituras em todo lugar fornecem tal consolação, que fala da morte dos santos, como se eles caíssem em sono e fossem ajuntados aos seus pais, ou seja, que venceram a morte através de sua fé e conforto em Cristo, e esperam a ressurreição juntos com os santos que os precederam na morte – Compend of Luther’s Theology, editado por Hugh Thomson Kerr, Jr., p. 242”.
Agora, eu me dou conta que eu tenho ainda que tratar da visão de Lutero sobre o sono da alma. Mas se eu fosse citar este livro, eu me certificaria de ler todas as citações sobre o entendimento de Lutero a respeito da alma após a morte que Kerr provê (que são poucas). Se o autor quisesse usar este compêndio para estabelecer a visão de Lutero, alguém poderia se questionar por que ele não começou com a citação encontrada na página anterior (241):
É verdade que as almas ouvem, percebem e veem através da morte; mas como isto é feito, nós não entendemos... Se nós nos responsabilizarmos a dar um relato de tais coisas segundo a forma desta vida, então somos tolos. Cristo nos deu uma boa resposta; pois seus discípulos estavam sem dúvida simplesmente curiosos. ‘Aquele que acredita em mim, ainda que morra, viverá’ (João 11:25); da mesma forma: ‘Se vivemos ou se morremos, nós somos do Senhor’ (Rm 14:8)… ‘A alma de Abraão vive com Deus, seu corpo jaz aqui morto’ seria uma distinção que para minha mente é mera podridão! Eu a disputaria. Alguém poderia dizer: ‘O Abraão inteiro, o homem completo, vive!’ – Conversas com Lutero, págs. 122 f.
Fonte: Hugh Kerr, Compend of Luther’s Theology (Philadelphia: The Westminster Press, 1943), 241
Agora, alguém deve lidar com a informação que contradiz sua própria posição. Os adventistas devem lidar com as citações de Lutero que também negam sua posição sobre o sono da alma. A próxima parte irá olhar especificamente para o entendimento de Lutero sobre a alma na morte.
A visão de Lutero sobre o estado dos mortos
Nesta parte, eu gostaria de analisar o entendimento de Lutero sobre o ‘sono da alma’. O sono da alma é a ideia que depois da morte a alma ‘dorme’ até a ressurreição final. Se diz que a alma hiberna até a ressurreição – quando se diz então que é acordada e reunida com seu corpo.
Lutero acreditava nisto? A resposta é sim, especulativamente. Ele o fazia em termos um tanto não dogmáticos, sempre alertando seus leitores de que nós não temos compreensão completa deste tema. Algumas vezes ele diz coisas que contradizem o ‘sono da alma’ – sua conclusão não era dogmática.
Lutero sabia que descrever o estado dos mortos era teologia especulativa. O estado dos mortos estava inclinado à especulação selvagem durante seu tempo. Ele não se juntaria a tal tolice.
Isto pode ser visto no início de sua carreira em uma carta a Nicholas von Amsdorf (13 de Janeiro de 1522). Lutero respondeu à questão do que acontece com a alma depois da morte. Note como Lutero responde cuidadosamente:
A respeito de suas “almas”, eu não tenho suficiente [conhecimento do problema] para te responder. Eu estou inclinado a concordar com sua opinião que as almas simplesmente dormem e que elas não sabem onde estão até o dia do Julgamento. Sou levado a esta opinião pela palavra das Escrituras. “Eles dormem com seus pais”. Os mortos que foram levantados por Cristo e pelos apóstolos testificam este fato, já que é como se eles estivessem acabado de ser acordados do sono e não sabem onde eles estiveram. A isto pode ser adicionado as experiências extáticas de muitos santos. Eu não tenho nada com o qual eu poderia derrubar esta opinião. Mas eu não ouso afirmar que isto é verdade para todas as almas em geral, tendo em vista o êxtase de Paulo e a ascensão de Elias e de Moisés (que certamente não apareceram como fantasmas no monte Tabor).
Quem sabe como Deus lida com as almas que partem? Não poderia [Deus] da mesma forma simplesmente fazê-las dormir e acordar (ou enquanto ele deseja [que elas durmam]), assim como ele submete ao sono aqueles que vivem na carne? E novamente, aquela passagem em a respeito de Abraão e Lázaro, apesar de não forçar a hipótese de uma universal [capacidade de sentir da parte de quem se foi],no entanto atribui uma capacidade de sentir a Abraão e Lázaro, e é difícil torcer esta passagem para se referir ao dia do Julgamento.
Eu penso o mesmo sobre as almas condenadas; alguns podem sentir as punições imediatamente após a morte, mas outros podem ser poupados das [punições] até aquele Dia [do Julgamento]. Pois o festejador [na parábola] confessa que está sendo torturado; e o Salmo diz. “O mal irá se encontrar com o homem quando ele perece”. Você talvez também refira isto ou ao Dia do Julgamento ou à angústia passageira da morte física. Então minha opinião seria que isto é incerto. É mais provável, contudo, que com algumas exceções, todas [as almas que se foram] dormem sem possuir qualquer capacidade de sentir. Considere agora quem eram os “espíritos em prisão” a quem Cristo pregou, como Pedro escreve: Não poderiam eles também dormir até o Dia [do Julgamento]? Mas quando Judas diz a respeito dos Sodomitas que eles sofrem a dor do fogo eterno, ele está falando de um [fogo] presente”. [LW 48:360-361]
Acima, Lutero diz “É mais provável, contudo, que com algumas exceções, todas [as almas que se foram] dormem sem possuir qualquer capacidade de sentir.”. Em outro lugar no entanto ele diz, “É verdade que almas ouvem, pensam, veem depois da morte, mas como eles fazem isto não entendemos” [Fonte: Ewald Plass, What Luther Says III:384]. Lutero assim fez declarações contrárias de que mesmo na morte, o crente ainda conscientemente conhece Deus e o serve. Isto pode ser visto em suas últimas palestras em Gênesis:
Pois como é Abraão um servo de Deus depois de sua morte? Deus não será capaz de eventualmente esquecer Abraão? Hoje ele certamente ainda serve Deus, assim como Adão, Abel e Noé servem Deus. E isto deve ser notado cuidadosamente; pois é verdade divina que Abraão está vivendo, servindo Deus e reinando com Ele. Mas qual a natureza desta vida, se ele está dormindo ou acordado, é outra questão. Nós não temos que saber como a alma descansa. É certo que ela está viva. [LW 5:74].
Ewald Plass diz que Lutero mantinha “paradoxais, se não, incongruentes, conclusões” sobre o estado dos mortos [What Luther Says III: 385]. Ele cita este comentário das últimas palestras de Lutero em Gênesis:
Mas agora outra questão se levanta. Já que é certo que as almas estão vivas e estão em paz, que tipo de vida ou descanso é este? Mas esta questão é muito elevada e muito difícil para nós sermos capazes de defini-la. Pois Deus não quis que nós soubéssemos disto nesta vida. Assim é suficiente para nós sabermos que as almas não saem de seus corpos para o perigo de torturas e punições do inferno, mas que está preparado para eles um quarto onde eles podem dormir em paz.
No entanto, há uma diferença entre o sono ou descanso desta vida e daquela da futura vida. Pois durante a noite uma pessoa que ficou exausto por seus trabalhos diários em sua vida entra em seu quarto em paz, como se fosse, para dormir ali; e durante esta noite ele goza de descanso e não tem conhecimento sobre qualquer mal causado ou por fogo ou por assassinato. Mas a alma não dorme da mesma forma. Ela está desperta. Ela experimenta visões e os discursos dos anjos de Deus.
Então o sono na vida futura é mais profundo do que nesta vida. Todavia, a alma vive perante Deus. Com esta analogia, que eu tenho do sono de uma pessoa viva, eu estou satisfeito; pois nele há paz e quietude. Ele acha que ele dormiu mais ou menos uma ou duas horas, e no entanto ele vê que a alma dorme de tal forma que também está desperta. [LW 4:313].
Mas e sobre aqueles que rejeitam Cristo? Eles vão imediatamente para a perdição? Lutero novamente responde de forma cautelosa, notando que ele é indeciso sobre quando eles recebem o punimento:
…Quando o ímpio morre, se eles partiram há muito tempo, antes da vinda de Cristo, ou hoje, depois que Cristo foi revelado, eles simplesmente vão para a perdição. Mas nós não sabemos se sua perdição começa imediatamente depois da morte; pois está escrito (Rm 14:10) que todos deverão estar perante o tribunal, e João 5:29 declara: “Aqueles que fizeram o bem irão para a ressurreição da vida, e aqueles que fizeram o mal, para a ressurreição do julgamento”.
Consequentemente, nós devemos nos lembrar que depois de Cristo o seio de Abraão veio a um fim e que todas as promessas sobre a vinda da Semente se cumpriram. Nós temos outras e mais gloriosas promessas que nos foram dadas pelo Filho de Deus, que se encarnou, sofreu e foi levantado de novo. Se não acreditarmos nestas, nós estamos condenados para sempre. Mas eu sou incapaz de dizer positivamente em que estado os condenados no Novo Testamento estão. Eu deixo isto sem decidir. [LW 4:316]
Seus escritos sobre o assunto também vacilam. Comentando sobre o falecido Urbanus Rhegius, Lutero diz, “Nós devemos saber que ele é abençoado e que ele tem vida eterna e alegria eterna e participação com Cristo na igreja Celestial. Pois agora ele aprendeu, viu com seus próprios olhos, e ouviu aquelas coisas que ele aqui na igreja na terra explicou segundo a palavra de Deus” [Fonte: WA 53:400; Paul Althaus, The Theology of Martin Luther (Philadelphia: Fortress Press, 1963), 415]. Também falando de outra pessoa falecida, “Doença o levou para o céu para nosso Senhor Jesus Cristo” [Althaus, 415]. Althaus nota que Lutero manteve que o tempo era irrelevante da perspectiva eterna. Para aqueles que morrem, o seu despertar do “sono da alma” é sentido como imediato. Lutero diz, “Aqui você deve colocar o tempo fora de sua mente e saber que naquele mundo não há nem tempo nem uma medida de tempo, mas tudo é um eterno momento” [Fonte: WA 10III, 194; Althaus, 416].
O que pode ser concluído da visão de Lutero?
Eu declararia o seguinte: a posição de Lutero sobre este tema não é dogmático. Ele considera o tema como teologia especulativa. Então, sua opinião não contribui sempre.
O que pode ser dito do uso de Lutero pelos adventistas do sétimo dia neste ponto?
Eu sugiro que eles incorretamente apresentam um Lutero dogmático que usa o “sono da alma” para refutar o purgatório e a veneração de santos, que eu mantenho não ser o caso. Para usar Lutero corretamente, eles deveriam pelo menos notar que a opinião de Lutero era especulativa e não dogmática.
Ele não abordou o texto das Escrituras com a mesma certeza sobre o “sono da alma” que eles abordam. Lutero nem mesmo possui as mesmas motivações teológicas para a doutrina do “sono da alma” que os adventistas possuem. O que motiva os adventistas nesta doutrina? O que motivou Lutero?
Estas parecem ser as questões cruciais para qualquer um desejando usar Lutero como uma autoridade.
Fonte de pesquisa: e-cristianismo;
Nota: O texto acima foi adaptado de três posts que o autor fez em seu blog: The Seventh Day Adventist Luther: Soul Sleep and the Immortality of the Soul(Part One); The Seventh Day Adventist Luther: Soul Sleep and the Immortality of the Soul(Part two) e The Seventh Day Adventist Luther: Soul Sleep and the Immortality of the Soul(Part three).
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